EDITORIAL
MANAUS – A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das ONGs (organizações não governamentais) do Senado passou longe de um processo de investigação. Ela nasce a partir de um delírio do senador amazonense Plínio Valério (PSDB), que passou a enxergar as ONGs como inimigas dos povos da Amazônia. Todo o trabalho da comissão, portanto, passou a ser feiro para tentar provar esse delírio.
Plínio, que se apresenta como jornalista, não entende nada de investigação, nem no campo da profissão dele. A primeira fase da CPI foi marcada pelas visitas a comunidades indígenas e áreas de atuação de ONGs alvos das suspeitas do senador presidente da comissão. Plínio e o senador Márcio Bittar (União Brasil-AC), o relator, fizeram uma seleção dos que poderiam contribuir com a narrativa que pretendiam construir no relatório final. Não interessava ouvir o outro lado, como manda a boa técnica jornalística.
Uma investigação decente, mais do que a investigação jornalística, deve perseguir a verdade dos fatos e, portanto, ouvir o maior número de pessoas envolvidas, seguindo uma linha de investigação, com a maior isenção possível. Não foi o que fez a CPI. Ali, os “investigadores” não queriam investigar, mas provar sua própria narrativa. Por isso, agiram com parcialidade gritante.
Na segunda fase, os senadores passaram a convidar representantes de algumas ONGs citadas pelos insatisfeitos da primeira fase, mas não lhes interessava a versão dada pelos convidados. O objetivo ali era expor vídeos das reclamações, muitas delas acusações sem qualquer prova, para tentar constranger os convidados. Os membros da CPI ouviam os membros das ONGs, mas se comportavam como o cão tentando morder o próprio rabo, girando sempre em volta das reclamações juntadas na primeira fase.
Enquanto o relator Márcio Bittar fazia a linha do negacionismo ambiental, repetindo a ladainha de que o mundo está interessado em assaltar as riquezas da Amazônia e que isso impede o desenvolvimento, o presidente Plínio tentava colocara nas costas das ONGs todos os problemas que geram pobreza na região. O senador esqueceu o papel dos governos, que sangram os recursos públicos com a corrupção.
Falavam das ONGs no plural porque não encontraram as entidades que procuravam para crucificar.
O relatório final apresentado por Márcio Bittar é uma piada. Repete a mesma ladainha infundada de Plínio e seus aliados, mas é também revelador das verdadeiras intenções dos senadores membros da comissão: a exploração indiscriminada da floresta amazônica e suas riquezas naturais e minerais.
A CPI propõe mudanças na Constituição Federal e na legislação ambiental para facilitar a exploração por garimpeiros, madeireiros e pelo agronegócio. Nada disso tem a ver com o trabalho das ONGs. Mas os senadores veem essas entidades como dificultadoras da exploração fácil e indiscriminada.
No fim das contas, o relatório de Bittar cita apenas quatro ONGs. De acordo como Mapa das ONGs, produzido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a Amazônia tem cerca de 100 mil entidades não governamentais. A CPI poderia pelo menos prestar o serviço de confirmar ou negar esse número. Não o fez.
E qual é o grande pecado das ONGs citadas no relatório? Segundo Márcio Bittar, elas recebem dinheiro de entidades e governos estrangeiros. O delírio da dupla Valério-Bittar é tamanho que eles acham que essas entidades, por receber recursos de outros países, estão a serviço da cobiça internacional sobre a Amazônia.
Não é possível que os senadores sérios e entidades como o Ministério Público darão qualquer crédito a um relatório com essa qualidade. Por isso, o melhor destino das 237 páginas compiladas pelo relator Márcio Bittar é a lata do lixo.