Muito frequentemente, quando colocados os argumentos que apontam com urgência para a enorme necessidade de aumento próspero e radical dos mecanismos de democracia direta, surgem posicionamentos dotados duma roupagem crítica e sensata – e com um interior melancólico – para redizer a suposta apatia social generalizada que acontece, apesar do caos políticos.
Relembrando assim também, da obrigatoriedade da realização política apenas pelos meios tradicionais e absolutamente carcomidos. Tal diagnóstico, na verdade, possui em sua essência apenas a vontade de manter tudo como está. Como se dissesse: “Olha, o que temos não é bom. Mas é melhor não tentar nada diferente disso”.
Os portadores desses discursos são comumente tidos como os dotados de sobriedade e parcimônia, embora sejam especialistas em ser rasos em praticamente todos os aspectos. Parecem transportar para o pensamento político a antiga sabedoria budista do ‘caminho do meio’, como algo desprendido de qualquer tempo histórico e realidade social.
O fato primordial que contraria esse discurso se dá na realidade da vida prática e nas friezas dos números. Em poucas vezes na história tivemos tantas greves e manifestações realizadas no país (mais de 2000 greves ano passado segundo o DIEESE). Mostrando que o discurso da apatia social é, empiricamente, enganoso.
Sobretudo, isso não significa que temos, de forma alguma, uma revolução em curso pra estourar semana que vem. Mas sim que temos uma abertura para um momento histórico diferente, não só no Brasil, como no mundo.
Por exemplo, no meio do século passado, quando a primeira geração da escola de Frankfurt surgiu com seus belos textos, dando continuidade à Teoria Crítica, foi de razoável unanimidade a impossibilidade da concretização de uma revolução no ocidente – a porta estava fechada. Contudo, o que vivemos agora, – essa insatisfação mundial generalizada com o sistema – abre espaço para um novo tempo revolucionário.
Nossas dificuldades passam pelo fato de que não existe hoje espaço para uma organização popular implacável. Não existe canos para canalizar a energia transformadora que vem da base. Não existe tradutor para compreender e amplificar as vozes das massas. Lideranças se ensaiam para ver quem pode representar a população no poder nesse tempo de crise da representatividade, sem entender que a representação é um dos pilares da crise.
Isto é, tudo isso surge, primeiramente, do descrédito do sistema político frente a população. Longe da robustez da teoria, o povo não consegue dar nome a sua indignação. É capaz até de enumerar todas as insatisfações e descrenças que sente na pele, mas nunca é capaz de liga-las a sua fonte primordial que é o capitalismo. É capaz de até listar suas demandas enquanto povo, e mesmo sendo elas idênticas a um socialismo, por exemplo, alguns rechaçam o nome logo ao ouvir.
Resta a esquerda o duríssimo trabalho de contrariar as expectativas e reverter anos de ausência de trabalho de base. Não existe outra alternativa sem passar pelo radicalismo. Isso não sai de nenhum livro, essa percepção sai da dinâmica das ruas. O povo não está morto, adormecido, apático ou letárgico. O povo está desorganizado e desacreditado.
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