
Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – O meio ambiente é vida e não entrave à sociedade, afirmam pesquisadores. Segundo os especialistas, a superficialidade nas relações humanas, a busca de liberdades e direitos individuais e “responsabilidades terceirizadas” tornaram o cuidado com o meio ambiente complexo e superficial. O Dia Mundial do Meio Ambiente, neste 5 de junho, é um momento para reflexão, defendem os estudiosos.
“O cuidado com o meio ambiente, esperado em ações simples da vida cotidiana de um indivíduo e de uma sociedade, tornou-se complexo. Todos querem praticar seus direitos de usufruir do meio ambiente limpo e saudável, mas não de cumprir com seus deveres de cuidar do seu espaço e dos espaços coletivos”, diz Gislene Zilse, doutora em Ciências Biológicas e pesquisadora do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
Para Marcos Castro, doutor em Geografia Humana e professor da Ufama (Universidade Federal do Amazonas), a visão de “progresso ilimitado” que passa pela exploração de recursos naturais “ilimitados e essenciais” para o desenvolvimento de uma nação criaram um “prejuízo” para as florestas, rios e mares.
“Temos uma visão desenvolvimentista e uma visão ambientalista. A exploração dos recursos naturais se deu de uma forma descontrolada, sem uma gestão territorial adequada. Isso gera um negacionismo ambiental e uma confusão entre coisas que se complementam. Por exemplo, a floresta não é inimiga do setor agrícola e pecuário, ela é um regulador do clima para os plantios. Então, a floresta é uma aliada da agricultura”, diz Castro.
Para os pesquisadores consultados pelo ATUAL, a conscientização começa pela percepção de que as necessidades individuais são providas pela “rede da vida natural”.

“Conviver é ter consciência de si, do outro e do ambiente. Sem tal premissa, torna-se improvável a conscientização cultural e ambiental e, consequentemente, ações para evitar danos ambientais. É preciso que voltemos às origens da natureza humana em sua essência de se perceber parte do ambiente, parte da sociedade, parte da vida e, assim, sermos estimulados ao cuidado ambiental e social, imprimindo tal prática à nossa cultura. Não há o todo sem as partes. Não há cuidado cultural com o meio ambiente se não houver cuidado individual com o meio ambiente”, diz Zilse.
“Tudo o que nós precisamos, extraímos da natureza. Tudo é natureza transformada, desde uma folha de papel, a tinta de uma caneta, a roupa que vestimos, o chão que pisamos, o asfaltamento… tudo é natureza transformada. Então, uma industrialização, consumo, economia desenfreados são danosos à sociedade e ao indivíduo”, afirma Marcos Castro.
Gislene Zilse alerta que qualquer exploração econômica, para sua própria execução e continuidade, deve levar em consideração a limitação dos recursos naturais. Do contrário, a economia de exploração ilimitada está condenada ao insucesso e tem consequências dramáticas ao ambiente e aos seres humanos.
“Não aplicar o conhecimento que já temos acerca da natureza, respeitando seu equilíbrio e ciclos naturais e relações entre as mais diversas formas de vida e os fatores abióticos, tem afligido nosso planeta e todos os seres viventes”, lembra.
Para os especialistas, a participação das escolas, da imprensa e do poder público são essenciais no processo de conscientização da importância do meio ambiente para o ser humano e podem colaborar para o fim de um “negacionismo” sobre as alterações no planeta.
“Penso que o termo ‘negacionismo’ não seja adequado para se referir à ideia de colocar em dúvida a hipótese do aquecimento global e mudanças climáticas. É preciso lembrar que a ciência se desenvolve a partir de hipóteses que são testadas continuamente em busca da verdade, da explicação dos fenômenos naturais a partir da perspectiva e entendimento humano. Desta forma, toda e qualquer afirmação científica afeta diretamente a população. A ciência não pode fazer uso da ‘Janela de Overton ou Janela do Discurso’ (que é uma estratégia para mudar ou manipular a opinião pública) para ter credibilidade e aceitação social”, diz Gislene Zilse.
Para a pesquisadora do Inpa, a ciência exige firme responsabilidade na geração e interpretação de dados científicos e considera um instrumento essencial para instrução e educação, e afeta diretamente à população. “Cabe a cada cidadão procurar informações em diferentes fontes a fim de ter sua própria conclusão e poder agir conscientemente”, diz Zilse.

Indiferença com Manaus
Para os pesquisadores, a superficialidade nas relações e a visão desenvolvimentista estão refletidas em Manaus. Ao mesmo tempo, a indiferença aos problemas que estão diretamente relacionados com o bem-estar da população parece estar cada vez mais presente na sociedade manauara.
“Manaus, uma das capitais com maior representatividade da beleza e da interdependência entre os seres do mundo natural, reflete a indiferença do ser humano à sua própria existência. No caminho, da casa ao trabalho, da escola ou do lazer, conseguiremos detectar, diariamente, a poluição urbana em Manaus. No entanto, igarapés poluídos por lixo produzido pelos próprios seres humanos, esgotos a céu aberto, lixo em todo canto é uma paisagem que passa cada vez mais desapercebida pela população. É como se a poluição já não fosse mais vista e, poluir, tornou-se quase um hábito. Pensa o cidadão: todo mundo faz, eu também posso fazer”, diz Zilse.
“Temos uma cidade sem bons exemplos ambientais. Matamos os nossos igarapés e hoje não servem para o lazer, o transporte e nem para o consumo. Os igarapés estão mortos. Manaus é uma cidade na floresta e é a menos arborizada. Não temos uma política adequada de sistema de drenagem, de esgoto, da captação das águas. O que fazemos? Concretamos tudo e alteramos o clima da cidade e criamos um ambiente inadequado à população. Tudo isso não é culpa da natureza. É culpa de gestão pública que não está associada à visão de natureza e apresentamos uma cidade rica, mas que, ambientalmente é pobre”, endossa Marcos Castro.
Mas pequenas mudanças nos hábitos diários da população podem contribuir para um futuro mais sustentável, acreditam os especialistas. “É preciso pensar que hábitos se criam a partir de pequenas ações. Da mesma forma que se tornou hábito deixar o lixo a céu aberto, é possível reverter ao bom hábito de se responsabilizar pelo seu próprio lixo. Você tem noção da quantidade de lixo que produz diariamente em casa, no trabalho, na rua, no bairro? Comemorar o Dia do Meio Ambiente é um momento de reflexão não apenas coletivo, mas, especialmente, individual. Se o que fazemos contra a natureza nos prejudica é certo que o que fazemos a favor também nos favorece”, ensina Gislene Zilse.