Com o tempo, o substantivo que dá título ao presente artigo passou a ser usado muito mais ou somente em seu sentido pejorativo, ao significar pouca qualidade, quase sem nenhum valor ou mérito, pobre de expressão, banal ou pequeno, sem importância. Foi usado sob esse aspecto pelo papa Pio XII, ao dizer que o poder no mundo era dominado pelos medíocres, bem lá atrás, salvo engano, em plena Segunda Grande Guerra.
Com uma ou outra exceção, raríssima, trata-se de uma verdade lapidar. Basta olhar em volta ou ainda mais longe. Se observarmos as grandes potências da época da Guerra Fria, pelo amor de Deus, há um desfile de protagonistas medíocres no comando das duas maiores nações do mundo. No Brasil, nem se fala, da instituição da República aos dias atuais, podemos excluir do rol da sensaboria política apenas os estadistas Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso.
A mediocridade é cinza, sem gosto e sem graça, em contraposição ao vermelho e ao azul bem forte, cores que identificam quem tem personalidade afirmativa, marcante. O medíocre tem amigos, mas inimigos, jamais. É bom ter amigos, mas os inimigos são fundamentais. São eles, os inimigos, que nos vigiam e nos instigam, tornando-nos bem mais capazes e melhores.
Os amigos, quase sempre, dizem amem a tudo, tudo avalizam e impedem que possamos formular juízos autocríticos, únicos que nos fazem realmente caminhar no aperfeiçoamento de nossas condutas, individuais e coletivas. Para quem exerce o poder, fazem um mal irremediável e desastroso, porquanto, de amigos, logo se tornam puxa-sacos viscerais.
Triste de quem a vida passa sem nenhum inimigo. Simplesmente, não viveu. Há aqueles que se jactam de não possuir adversários hostis, como idiotas rematados, felizes. Segundo Voltaire, “quem não tem inimigos é sinal de que não tem talento que faça sombra, nem caráter que impressione, nem coragem para que o temam, nem honra contra a qual murmurem, nem bens que lhe cobicem, nem coisa alguma que invejem”. Na administração, de uma modesta taberna de um bairro pobre ou no comando de um estado de grandes dimensões, o resultado será sempre calamitoso, uma vez que gerir é e será sempre contrariar interesses, de uns em benefício de outros. O taberneiro, que ficar concedendo fiados indistintamente, estará logo condenado à falência e a fechar as portas, assim como o governante ruirá com seu governo, ao deixar de se opor a esquemas criminosos montados para assaltar o erário ou a simples nomeações de apaniguados incompetentes.
A política, tida aqui em seu conceito elevado – como arte de buscar ou promover o bem comum –, tem como seu maior combustível o confronto de ideias, que redundam em planos, projetos e propostas de governo. À medida que atendem a certos setores, segmentos ou grupos da sociedade, com opções definidas, contrariam outros, que muitas vezes haverão de se mostrar, mais do que descontentes, como verdadeiros inimigos do governante ou administrador responsável pela iniciativa adversa.
Carlos Frederico Werneck de Lacerda, em A República das Abelhas, romance de Rodrigo Lacerda, de uma criatividade fantástica e que leio no momento com prazer inexcedível, usou Mário de Andrade para dizer que tinha horror aos simpatizantes. Eles, leia-se no contexto, salvaguardam-se “no gostoso e em meias medidas”, pode-se acrescentar, na mais pura mediocridade. E ninguém fugiu tanto das meias medidas e da mediocridade do que Lacerda. Fez uma legião de inimigos, desde a juventude no Partido Comunista Brasileiro. E, mais tarde, já rompido com o PCB, no governo da Guanabara e fora dele, embora tenha também despertado tantas e tão arraigadas paixões.
O ser humano, como obra prima da dialética – tese, antítese e síntese, de Hegel a Marx, em seu estágio mais sublime, é uma sucessão permanente de contrários, de conflitos, de visões opostas, no seu mais profundo eu e na exteriorização da vida com seus semelhantes. Passar incólume pelo mundo é negar a própria existência, na sua essência, submetendo-se assim ao vexame e ao massacre do anonimato insípido e inodoro.
E não há exemplo mais dramático da derrota da mediocridade, como anseio irrealizável, do que no episódio narrado por Albert Camus, em A Queda, uma de suas obras mais significativas, sobre um pacifista francês que se refugia indignado nos arredores de Paris durante as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII. No pórtico de seu sítio no campo, manifestando-se isento e alheio às forças em combate, faz apor uma faixa de boas-vindas a católicos e protestantes. Ambas as facções entraram em sua propriedade e o trucidaram, pura e simplesmente.