
Por Iolanda Ventura, do ATUAL
MANAUS – Nas últimas semanas, a nota máxima na redação do Enem da estudante amazonense Rilary Castro, de 18 anos, ganhou repercussão no Amazonas. O desempenho da jovem gerou debates sobre os desafios superados por quem estuda na rede pública, mas também chamou a atenção a dedicação da estudante, que usava boa parte do tempo para treinar a escrita em um época em que ler e escrever são cada vez menos priorizados.
Especialistas ouvidas pelo ATUAL avaliam que as facilidades que a tecnologia oferece deveriam estimular esses hábitos, mas o que se observa é um distanciamento dos livros.
A filósofa Neiza Teixeira, coordenadora editorial da Livraria Valer, em Manaus, afirma que hoje, tudo é simplificado pela compra de livros mais rápida e pelo que é encontrado na internet.
“Isso deveria nos levar a pensar que, finalmente, haveria equidade no que diz respeito à facilitação do conhecimento. Entretanto, o que vemos é que cada vez mais os indivíduos se distanciam da leitura, com isso reduzindo a capacidade de compreensão da realidade, da argumentação, do diálogo e da compreensão de si mesmos”, avalia.

Na era dos textos curtos das redes sociais e leituras rápidas em blogs, sites e portais, Neiza Teixeira alerta que “textos enlatados” tiram a capacidade crítica.
“Não pode haver, de forma nenhuma, uma sociedade humanizada quando os seus indivíduos não sabem raciocinar, não têm um bom repertório, não pensam além do que se apresenta na superfície”, diz.
Para a escritora Keila Zanatto, escrever significa congelar um determinado tempo. “A nossa própria história vai se perdendo. Não lembramos de todos os detalhes. Recentemente comecei um diário porque quero documentar minhas experiências e porque a escrita é uma forma de salvar as minhas memórias, as memórias do tempo que vivo e de outras pessoas, como o Paladino”, conta.
Keila, natural de Treze Tílias (SC), veio do Sul do país e morou por um tempo no extremo Norte. Em Santa Isabel do Rio Negro (a 631 quilômetros de Manaus) conheceu as façanhas e aventuras de Raimundo Quirino dos Santos, o Paladino. A vida do personagem real consta na biografia “Retalhos da Vida de um Paladino”.
“Registrei a história de vida de um senhorzinho do interior do Amazonas e ele faleceu no ano passado. Quanta coisa ele me contou e eu consegui salvar, quantas histórias que não morreram com ele. Os netos, bisnetos e as futuras gerações da família dele terão acesso à história”, relembra.

Apesar da familiaridade que tem com livros, Keila reconhece que é um desafio para pais e professores fazerem as novas gerações se interessarem por páginas cheias de letras e muitas vezes sem imagens em um mundo cada vez mais visual e de telas.
“Eu acredito que o bom e velho hábito da leitura precisa ser trabalhado ainda no berço, no contar historinhas para dormir. Apresentar esse mundo para as crianças quando elas ainda não conhecem TV e celular, porque depois fica mais difícil”, recomenda.
Para crianças maiores ou adolescentes, a escritora sugere estabelecer um horário de leitura todos os dias e apresentar diferentes gêneros de leitura para que encontrem um que gostem.
“Acho também que hoje em dia não dá para exigir que crianças que nascem nesse mundo tecnológico amem cheirar um livro e ficar horas lendo um monte de letrinhas em papel como nós, das gerações anteriores. Tem que acompanhar as invenções e apresentar formatos como os eBook-Reader e o que mais for sendo criado”, afirma a escritora.

Na mesma linha, a professora Cristine Teixeira afirma que é muito difícil estimular o interesse pela escrita para uma geração que é muito audiovisual. Cristine trabalha com produção textual há quase 30 anos na UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e ministra aulas no preparatório de redação para vestibulares e concursos Salinha Produtiva, Redação e Literatura.
“O grande problema é a quantidade de horas desperdiçadas nas redes, esse controle de tempo de acesso é fundamental e é responsabilidade da família. Nós, educadores, precisamos ensinar nossos alunos a fazer bom uso dessa profusão de canais tecnológicos de comunicação, indicando a eles fontes fidedignas, enfatizando a importância da informação confiável para que eles criem uma bagagem cultural ampla e diversificada e possam usá-la na produção de seus textos”, pontua.
Humanos e Inteligência Artificial

O ChatGPT, chatbot com inteligência artificial especializado em diálogo, gerou debates sobre os limites da tecnologia na concepção de um livro.
A ferramenta, que traz respostas sobre diversos assuntos com apenas alguns comandos, foi usada pelo gerente de design Ammaar Reshi para criar o livro infantil “Alice and Sparkle” em 72 horas. Para ilustrar, ele usou a ferramenta de inteligência artificial Midjourney.
A professora Cristine Teixeira afirma que, em um primeiro momento, não vê o ChatGPT como algo que possa ser usado no ensino da produção textual de forma positiva, mas acredita que as instituições de ensino adotarão estratégias para garantir a originalidade das ideias.
“Essa mesma discussão ocorreu quando do advento da internet e da wikipedia, o tempo passou, e ferramentas tecnológicas antiplágio foram surgindo. A USP, por exemplo, disponibiliza ao corpo docente um programa de detecção de plágio para combater a apropriação intelectual na sua produção acadêmica”, pontua.
A filósofa Neiza Teixeira afirma ser tradicionalista. “Para mim, nada substitui a iluminação de uma ideia, o trabalho de burilar um raciocínio e construir uma boa argumentação. No que diz respeito às coisas essenciais ao homem, eu acredito que nenhum robô ou inteligência artificial será capaz de realizar. A Palavra, como diz o filósofo Martin Heidegger, é a morada do homem”.
A escritora Keila Zanatto acredita que com o tempo, será possível perceber melhor os benefícios e malefícios da tecnologia, mas a enxerga com ressalvas.
“Eu sempre vejo essas tecnologias com um pouco de rejeição, porque elas nos afastam do processo criativo, cada vez mais somos induzidos a não pensar, a não pesquisar, a não fazer leituras e se informar, porque as máquinas, apps e plataformas fazem tudo por nós com apenas alguns comandos. Tudo mais fácil e de um jeito muito rápido. E assim se perde a essência individual de cada um, o talento, os sentimentos e a sensibilidade”, diz.
Todo progresso tem ônus e bônus. Deve-se aplicar a lei do bom senso e equilíbrio. Muitos pais não têm competência nem estrutura para o controle, e o melhor exemplo é abalizado por aquele que o profere. Se pais não leem, não incentivam seus filhos desde quando ainda em tenra idade através de leituras para os infantes, a criança-adulto será apenas repetidor de ideias e ideais veiculados pelos aparelhos eletrônicos.
Prof. Adelson Sobrinho