Regulamentos são normalmente realizados por alguns interesses confessáveis e por outros nem tanto. O que normalmente é exposto são os interesses nobres e os afetados pela decisão vão pouco a pouco compreendendo suas facetas. A dialética, a boa política, as leis e os governos servem para a mediação, evitando distorções na sociedade. Seja como for, apenas o tempo acalma os pensamentos e permite uma reflexão sobre os efeitos de regras feitas no meio de pressões extremas, quando é quase impossível que surjam decisões acertadas.
Em transportes existem normalmente regulagens que atendem ao propósito sistêmico. Assim, em ônibus urbanos há subsídios, permitindo o lucro das empresas, passagem a um custo razoável e disponibilidade ampla. Outras regulagens dizem respeito às tecnologias ou geografia. Contudo, o setor de transportes está sempre encurralado na questão de oferta e demanda. Se existir qualquer desequilíbrio, alguém sofrerá com uma dor insuportável. Assim, com excesso de oferta, o transportador sofre e quebra. Com excesso de demanda, o embarcador ou passageiro padece. Apenas numa relação equilibrada é que se dá uma troca equânime, onde os dois lados gostam do preço e da relação de troca preço x serviço prestado.
Muito tem sido dito pela opção realizada pelo Brasil: modal rodoviário, conduzindo cerca de 67% da movimentação de cargas. A regulagem do transporte terrestre no Brasil é realizada pela ANTT (Agência Nacional do Transporte Terrestre) e não havia até poucas semanas atrás uma regulagem de preço. Assim, a solução se dava pelo equilíbrio entre oferta e demanda. Entende-se que este é o melhor método para mercados maduros, com muitos ofertantes e muitos consumidores. A questão é que os produtores se organizaram e transformaram os consumidores em reféns. Em especial aqueles consumidores de áreas mais isoladas. Regular preços neste tipo de transporte é uma prática abandonada desde os anos 1980 nos EUA. Voltamos no tempo, com muita vontade.
Entretanto, historicamente a regulagem de preços de transporte normalmente é para proteger as áreas mais distantes, de tal forma que não se tenha transporte apenas nas áreas desenvolvidas. No Brasil somente se constroem rodovias nas áreas desenvolvidas. Assim, para cada 5,59km de estradas no Sudeste só há 0,4km de estradas no Amazonas. Uma diferença de 1.297,5%. Temos no país a lógica de condenar as regiões periféricas ao isolamento e à eterna condição de periferia, construindo infraestrutura onde já tem infraestrutura e onde não há, nada se faz.
O tabelamento do frete protege os transportadores que não sabem fazer contas e cobram abaixo do seu custo (explicação plausível para uma pessoa jurídica cobrar abaixo de seu custo) e assim os estados mais isolados pagarão um preço excessivamente alto, quando os regulamentos de transporte mundo afora normalmente protegem as áreas mais isoladas. A jabuticaba nacional colocou ainda mais peculiaridades: além de punir o Norte do país com menos rodovias e agora com um custo de frete maior, em uma malha atendida por gigantes multinacionais do transporte como a norte americana FedEx (ex-Rapidão Cometa) ou a holandesa TNT (ex-Araçatuba, ex-Mercúrio), que não precisam de muita ajuda para se proteger ou fazer contas, a fatura também será paga com redução dos incentivos fiscais da região, inviabilizando o setor de concentrados de refrigerantes.
Pune-se pela falta de infraestrutura, pela presença de multinacionais protegidas em detrimento dos produtores e consumidores, e pela tabela de preços que aumenta o custo e pela redução dos diferenciais fiscais. É uma combinação explosiva e contrária a toda a lógica típica das regulagens: proteger as áreas mais distantes. Até no setor aéreo onde se regulavam os preços até poucos anos atrás, hoje usa-se a livre concorrência. Por que seguir uma direção de preço mínimo (e distante do mercado) ao invés de preço máximo? Pelo custo do combustível? Então, que tal separar nos conhecimentos de frete os custos de combustível, tal qual já se dá em outros modais internacionais, onde existem até taxas para guerra? Se o problema é o custo do combustível, por que rever toda a tabela de fretes? Este interesse de frete mais caro para distâncias maiores favorece claramente as regiões mais desenvolvidas do país e pune ainda mais as regiões isoladas.
Antes de qualquer regulagem, preconizam-se muitas reflexões e estudos. A OCDE recomenda que as regulagens sejam realizadas após avaliações cuidadosas e os efeitos devem ser medidos antes da implantação. Por aqui, se fez a regulagem do frete no meio de uma paralisação. Impensável. Uma simplificação impossível de ser feita, por mais sábio que seja o regulador. O futuro do transporte de cargas por veículos é certamente repleto de veículos autônomos e a nossa marcha para o passado leva numa direção contrária à redução dos custos e ao desenvolvimento integral do país.
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(*) Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes, professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e diretor da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas).
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.
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