EDITORIAL
MANAUS – Nos primeiros dias de janeiro de 2021, o Ministério da Saúde enviou equipe a Manaus para entender, acompanhar, propor e agir contra o avanço da pandemia de coronavírus na capital do Estado. Os números de dezembro sinalizavam que janeiro poderia ser de recrudescimento da Covid-19 na cidade que em abril de 2020 foi manchete em vários países.
Depois de inúmeras reuniões internas com as autoridade locais de saúde e autoridades políticas, o próprio ministro da Saúde à época, Eduardo Pazuello, desembarcou em Manaus no dia 10 de janeiro.
Seis dias antes, a então secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, que depôs nesta terça-feira, 25, na CPI da Covid do Senado, orientou médicos do Amazonas a prescreverem medicamentos aos pacientes que apresentarem sintomas da Covid-19, mesmo que não diagnosticada efetivamente.
Segundo Mayara, o tratamento precoce é recomendável e população não deve ter medo dos medicamentos. Em entrevista coletiva, ela disse:
“Peço aos profissionais que prescrevam o tratamento precoce, essas orientações já foram dadas pelo MS desde maio, e hoje temos mais de 150 referências científicas assegurando. Você que tem medo, porque a gente ouve na imprensa, em alguns veículos que prestam mais desinformação do que informação séria, dizendo que essas medicações não funcionam. Hoje já temos evidenciais suficientes, inclusive avaliadas pelo Conselho Regional de Medicina do Amazonas, fazendo com que tenhamos tranquilidade para receber medicamento que vocês aqui no Amazonas já usam há muito tempo, com baixíssimo risco de causar efeitos colaterais”, disse.
No dia 11 de janeiro foi a vez de Eduardo Pazuello puxar a defesa da medicação precoce para pacientes com Covid-19. Ele sustentou que o tratamento precoce era aconselhado pelas entidades de saúde do país e precisava ser divulgado pela imprensa.
“Senhores, senhoras, não existe outra saída: nós não estamos mais discutindo se esse profissional ou aquele concorda. Os conselhos federais e regionais já se posicionaram, os conselhos são a favor do tratamento precoce, do diagnóstico clínico”, disse o então ministro.
Depois, ele explicou melhor como deveria ser o tratamento precoce: “A orientação é precoce. Então, os diretores dos hospitais devem cobrar na ponta da linha da UBS como o médico está se portando. O cara tem que sair com um diagnóstico, até porque a medicação pode e deve começar antes dos exames complementares. Caso o teste depois der negativo por alguma razão, reduz a medicação e tá ótimo, não vai matar ninguém, agora salvará no caso da Covid”.
Naquele mesmo dia 11, Mayra Pinheiro visitou UBSs (Unidades Básicas de Saúde) em Manaus que atendiam pacientes com Covid-19 para difundir o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença.
Um documento do Ministério da Saúde (Nota Informativa 17/2020) orientava sobre o manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19”. O governo federal sugeria um combinado de cloroquina ou hidroxicloroquina com azitromicina para pacientes com sintomas leves, moderados e graves.
A secretária de Saúde do município de Manaus, Shadia Fraxe, negou que a medicação recomendada pelo Ministério da Saúde tivesse sendo usada em pacientes com Covid-19, mas admitiu que se tratava dos remédios sem eficácia comprovada.
“Quando falam em ‘tratamento precoce’ estão falando em hidroxicloroquina, ivermectina. Não tem como dizer que não. Que tem sido usados por muitas pessoas. A internet bombando com esses estudos”, afirma Shadia.
Preocupados com o malfadado “tratamento precoce”, os burocratas do Ministério da Saúde esqueceram outras medidas para salvar vidas na pandemia. A principal delas, resultou na falta de oxigênio medicinal para pacientes com dificuldade de respirar.
No dia 11 de janeiro, quando o ministro Pazuello lançou, com pompa, em Manaus, o Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19 no Amazonas, havia pelo menos três dias que as autoridades tinham sido informadas sobre a falta de oxigênio em Manaus.
O plano estratégico, no entanto, não previu qualquer ação para abastecer os hospitais. Dois dias depois, no dia 13, começou a faltar oxigênio nas principais unidades de saúde da rede pública e da rede privada.
Só diante do desespero dos familiares e da divulgação pela mídia, as autoridades se movimentaram para atacar o problema. As ações para remediar resultaram em dezenas de mortes por asfixia.
A CPI da Covid está mostrando, no entanto, que não houve culpados. Que tudo foi culpa do acaso.
O que fica muito claro é que o tal Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19 fracassou. Mas também não há culpados.