Por Michelle Portela, da Redação
MANAUS – Conhecida como a cidade natal dos Beatles, Liverpool está para os amazonenses como uma das suas cidades-irmãs ao redor do mundo mais por conta da canção “Porto de Lenha” do que pela relação histórica que liga Manaus à cidade localizada ao noroeste da Inglaterra, um dos países a participar da construção da então “Paris dos Trópicos”.
Talvez a principal história sobre a presença inglesa na cidade de Manaus seja a construção do porto da cidade no final do século XIX, para impulsionar a exportação da borracha para a Europa. A Booth, companhia de navegação que fazia a linha Liverpool-Manaus, usava vapores a carvão luxuosos para ligar a Europa diretamente à capital do Amazonas, e até a Iquitos, no Peru.
O auge da empresa coincidiu com o período em que a Europa se industrializava e precisava de matéria-prima para produzir pneus para automóveis e outros produtos à base da borracha. Para isso, os ingleses tinham o porto de Manaus, pela empresa Manaos Harbour Ltd., e os direitos para navegação interna, através da Amazon Steam Navegation Co. Ltd.
Assim, antes de exportarem mudas de Hevea Brasilensis para a Malasia, onde construíram grandes plantações devido às condições climáticas compatíveis à da Amazônia, os ingleses ainda aprenderam bastante com a vida amazônica. As atuações de médicos e pesquisadores britânicos no período da borracha na Amazônia foram reconstituídas pelo pesquisadores Guilliod de Miranda e José Maria de Castro Abreu Júnior, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que tentaram levantar os passos desses viajantes pela região.
A Liverpool School of Tropical Medicine (LSTM) – ou Escola de Medicina Tropical de Liverpool, em tradução livre -, realizou expedições ao redor do mundo, no final do século XIX e início do século XX, para estabelecer a medicina tropical como ramo das ciências médicas.
“A escola inglesa se faria presente até na Amazônia brasileira, tendo o Estado do Pará servido de base para as pesquisas encetadas por Walter Myers e Herbert Durhan, que estiveram em Belém no início do século XX, pesquisando sobre a febre amarela. Outra expedição teria como destino o Estado do Amazonas, onde seria instalado um laboratório, na Cidade de Manaus”, dizem os pesquisadores em artigo publicado na Revista Pan-Amazônica de Saúde.
Após as primeiras missões na África, as incursões iniciais na Amazônia pelos médicos ingleses foram realizadas em Belém com a finalidade de estudar a febre amarela, doença que causou a morte de alguns desses médicos. A décima quinta expedição, contam os pesquisadores, seria enviada para a Amazônia em abril de 1905. Após aportar em Belém, seguiria para Manaus, e tinha também como finalidade estudar a febre amarela, baseada naquela cidade.
Um dos principais nomes foi Wolferstan Thomas, que fundou um laboratório para continuar os estudos sobre febre amarela. Durante sua estada em Manaus, Thomas publicou trabalhos importantes, principalmente sobre as condições sanitárias de Manaus, com um mapa da cidade e arredores. Em 1910, um pequeno hospital seria aberto para uso de empresas estrangeiras, como passo seguinte ao laboratório. Por não haver bacteriologista ligado ao hospital da Santa Casa de Manaus, todos os exames do hospital seriam realizados gratuitamente pelo laboratório da expedição.
O laboratório de Manaus teve um papel importante, servindo como principal base de pesquisa para as expedições que percorriam os vários rios do Estado do Amazonas. Já o médico, totalmente integrado à comunidade de Manaus, inclusive vindo a ser patologista da Santa Casa de Manaus, Thomas passou a seguir seus próprios interesses, que eram os problemas de saúde da população local, particularmente daqueles levados ao empobrecimento por conta da queda do preço da borracha.
Por não serem estes assuntos de interesse da LSTM, Thomas foi desligado da companhia. O médico continuou seu trabalho até morrer, em 1931. O laboratório funcionaria, também, até sua morte.