Por Sídia Ambrósio, especial para o AMAZONAS ATUAL
Manaus lidera o ranking de capitais brasileiras que mais registraram incêndios em 2015 provocados por curtos-circuitos e sobrecarga na rede elétrica, decorrentes de instalações elétricas precárias, gambiarras, ‘gatos’e falta de manutenção. A estatística foi divulgada no último relatório da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), em janeiro deste ano.
Em segundo lugar do ranking vem a capital baiana, Salvador, seguida de Cuiabá, depois São Paulo, Recife, Teresina e Campo Grande, fechando a lista das sete capitais brasileiras com índices elevados desse tipo de acidente.
O número de acidentes com incêndios por curto-circuito ou sobrecarga na rede elétrica na região Norte subiu de 34 em 2013 para 81 em 2015. Conforme também aponta o relatório, os registros de incêndios aumentaram em todo o Brasil.
Só em 2015, a Abracopel contabilizou 39 incêndios no Estado do Amazonas, sendo 35 só em Manaus. A capital amazonense, infelizmente, também lidera o ranking em número de óbitos: foram seis. Dentre os locais atingidos pelos incêndios no Estado estão 11 comércios de pequeno porte, 24 residências, uma indústria de pequeno porte, uma escola pública, um hospital e uma empresa pública.
Edson Matinho, diretor executivo da Abracopel, destaca que as causas de acidentes dessa natureza (incêndios) estão relacionadas com os descasos e com o desconhecimento dos riscos para com a eletricidade.
“No caso de incêndios, existem muitas instalações elétricas realizadas fora da norma por pessoas que não são profissionais ou são profissionais desqualificados, o que tornam essas ligações em verdadeiras bombas relógios, quando acionadas. O fato de Manaus ter apresentado esse número elevado de incêndios, pode ter sido pela provável inserção de vários aparelhos (eletroeletrônicos e/ou eletrodomésticos) nas instalações, sem critérios ou sem segurança alguma”, alerta o diretor.
Martinho ressalta que, em 11 anos de trabalho com a Abracopel, resultados importantes foram percebidos. “No caso de pessoas, ao serem expostas em alguma situação de risco com a eletricidade, sabem como reagir, mas ainda vemos muitos acidentes acontecendo”, explica.
O especialista destaca ainda que em 2015 foram registrados 1.248 acidentes em todo o país, com incêndios envolvendo a rede elétrica e a maioria dos casos poderiam ter sido evitados com informações e cuidados com a rede elétrica.
“O caso de incêndios passa basicamente por uma cultura de avaliação e revisão periódica (pelo menos, a cada cinco anos) da rede elétrica, sempre contando com profissionais habilitados, qualificados e atualizados com as normas técnicas. O cuidado com as instalações deve ser constante e precisa de acompanhamento de profissionais, caso contrário, a perda de patrimônio e de vidas, podem ser trágicos. Precisamos do apoio de todos para mudar este cenário”, alerta Edson Martinho.
Aumento em todo o país
O relatório registrou também o aumento considerável do número de incêndios em todas as regiões do país, sendo a região Sudeste a de maior incidência, seguida das regiões Nordeste, Norte, Sul e Centro-Oeste.
Nos últimos três anos, em todo o Brasil, o quadro ficou assim:
Incêndios provocados por curtos circuitos ou sobrecarga na rede elétrica | |
2013 | 991 |
2014 | 1.222 |
2015 | 1.257 |
*Fonte: Abracopel.
Consultado sobre o resultado do relatório, o Corpo de Bombeiros do Estado do Amazonas informou que não realiza esse tipo de estatística sobre as causas ou naturezas dos incêndios, uma vez que os atendimentos são apenas direcionados às ocorrências.
“Quem faz esse tipo de investigação é a perícia. O Corpo de Bombeiros apenas atende aos chamados. Quem quiser abrir uma investigação para apurar a causa do incêndio, deve registrar um Boletim de Ocorrência na delegacia”, informou a assessoria do Corpo de Bombeiros.
Procurada pela reportagem para informar sobre suas ações de prevenção e combate à acidentes envolvendo a rede elétrica, a Eletrobras Distribuição Amazonas não quis se manifestar.
Ligações clandestinas
Além de Manaus encabeçar o maior índice de acidentes com incêndios ocasionados por curtos circuitos e sobrecarga na rede elétrica, o Estado do Amazonas também carrega o título de campeão em perdas não técnicas de energia elétrica.
Em seu último relatório envolvendo as distribuidoras de todo o Brasil, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) destaca o Amazonas como recordista de perdas comerciais não técnicas – “considerando todas as demais perdas associadas à distribuição de energia elétrica, tais como furtos de energia, erros de medição, erros no processo de faturamento, unidades consumidoras sem equipamento de medição, etc”. Segundo a Aneel, esse tipo de perda está diretamente associado à gestão comercial da distribuidora de energia elétrica.
Os dados registrados pela Aneel, referente ao último levantamento em 2014, mostram o Amazonas liderando o ranking de perdas comerciais, com 37,45%, quando o índice regulatório estipulado pela agência reguladora é de 15,93% para a distribuidora local. Em 2010, esse índice chegou a 40,32%.
Para se ter ideia da disparidade dos números, a Light, empresa distribuidora de energia elétrica do Estado do Rio de Janeiro, divulgou que em 2014, pelo menos 20% da energia fornecida foi desviado em ligações clandestinas. O último índice de perdas regulado pela Aneel para a referida concessionária foi de 12,99%.
A Light informou que investe em ações permanente de conscientização e em projetos como o “Light Legal” e a “Blitz Legal”, além de apostar em tecnologia de ponta para substituir a rede elétrica por uma mais robusta e instalações de medidores eletrônicos mais modernos e seguros contra o furto de energia.
O número de ligações clandestinas (perdas não técnicas) no Amazonas, mais conhecidas como “gatos”, também está no topo da lista da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). O Sistema de Informação para a Gestão (SIG) da Associação apresenta em seu último gráfico desse item, registrado em 2014, o índice de 37,6% de perdas comerciais referentes às “duas principais modalidades: furtos e fraudes de energia”. Ainda no gráfico da Abradee, a distribuidora do Amazonas dispara no topo desse ranking entre 31 empresas do setor elétrico.
Mesmo sem ter uma relação direta com os casos de acidentes de incêndios, especialistas apontam as ligações clandestinas como um dos principais motivadores das incidências de curtos-circuitos na rede elétrica.
O engenheiro eletricista, Sérgio Cesário Nunes, coordenador da Câmara Especializada em Engenharia Elétrica e Segurança do Trabalho do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Amazonas (Crea-AM), alerta que as ligações clandestinas contribuem, e muito, com a estatística de incêndios.
“As ligações clandestinas são casos de polícia. Tecnicamente, não temos como coibir uma ligação clandestina. Passa por uma conscientização da população quanto ao perigo de ter uma ligação elétrica clandestina, mas é também um problema social. O custo da energia muito caro empurra o cidadão para a ligação clandestina, desviando a energia para não pagar a conta de luz”, afirma o especialista.
Cesário alerta também para dois grandes “vilões” bem comuns nas casas brasileiras e pouco levados em consideração: a régua de tomadas e o benjamim.
“A tomada foi projetada para uma corrente elétrica de 10 amperes. Aí, vem a régua e o benjamim com vários equipamentos ligados na mesma tomada, o que acaba ocasionando o aquecimento, já que podemos ter uma corrente elétrica superior a 10 amperes. Logo, isso pode ocasionar incêndios”.
Prevenção é tudo
Outros cuidados com a rede elétrica citados pelo coordenador do Crea-AM são de caráter técnico profissional. Sérgio Cesário orienta que as pessoas contratem profissionais habilitados com registro no Crea-AM; tenham um projeto elétrico de sua residência elaborado por um profissional; efetuem sempre a inspeção e a manutenção nas instalações elétricas que também devem ser feitas por profissional habilitado e registrado no Crea-AM.
“Por que contratar um profissional? Somente um profissional habilitado vai dimensionar corretamente os cabos elétricos da sua instalação residencial. Esse profissional também vai escolher o material adequado de acordo com a norma técnica da ABNT-NBR5410. No caso de inspeção das instalações elétricas, ele vai identificar onde o circuito elétrico da sua instalação está sobrecarregando, com possível aquecimento do cabo elétrico e fogo na sua instalação. Esse especialista também vai verificar onde a está localizada a instalação irregular (gambiarra), fonte de curto circuito”.
Já a Abracopel informou que para ajudar a orientar a população para os cuidados com esse tipo de acidentes (incêndios por curtos circuitos), vem realizando várias atividades que levam informações a toda a população, seja leiga ou técnica. Além de seminários técnicos itinerantes levando informações aos profissionais em 10 cidades pelo Brasil. Há também o “Concurso de Redação e Desenho” que estimula a garotada de escolas públicas a desenvolver o tema. Além do “Prêmio de Jornalismo” que incentiva o jornalista a pautar matérias que levem informações sobre como evitar acidentes de origem elétrica, e outras atividades como participação em Normas e Regulamentos, dentre outros.
A Associação também tem como parceiras, as principais empresas fabricantes e distribuidores de materiais elétricos apoiando as suas ações de prevenção a acidentes.
“No caso do Concurso de Redação e Desenho, estamos trabalhando, além da etapa nacional, as etapas regionais com apoio das distribuidoras de energia elétrica. Em 2015, fizemos um projeto piloto com as distribuidoras da Bahia, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e de Minas Gerais. Este ano já estamos renovando com essas empresas e buscando novos parceiros, como é o caso de Santa Catarina e São Paulo. Convidamos as distribuidoras de energia do Norte do Brasil para se engajarem nesse projeto que é muito importante, pois trabalha a base da sociedade para que no futuro, não tenhamos esses tipos de acidentes”, ressalta Edson Martinho.