É mais fácil um agente de trânsito organizar o caótico trânsito da Índia do que um cientista político explicar a atual conjuntura política no Brasil. A única certeza que temos para o atual cenário é de que os políticos se encontram em abstinência por ausência de recursos públicos. Somente a união de todos – direita, centrão e esquerda –, aprovando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2015, elevando os gastos da União no financiamento da educação e via de consequência alimentando os gestores municipais que atuam como cabos eleitorais será capaz de aliviar o não tão “barato” de nossos políticos. Segundo “especialistas”, os R$ 156,3 bilhões que o Fundeb distribuiu em 2019 não são suficientes para reduzir as desigualdades do sistema educacional brasileiro. Pergunta-se: mais investimentos melhorarão a qualidade educacional das escolas públicas? A resposta, de acordo com o nosso “histórico escolar”, diz que não.
O sistema educacional brasileiro estabelecia que a cada ciclo era necessário a realização de exame admissional o qual condicionava aprovação para o próximo ciclo. Nesta época, os alunos que conseguiam concluir o 2º grau estavam realmente preparados – basta comparar o nível intelectual daqueles formandos com nossos atuais formandos do ensino médio– vergonhoso.
No entanto, percebeu-se que o problema estava na base (primário), reprovava-se demais no exame admissional, resultando em uma evasão sem precedentes. Assim, era necessário melhorar a qualidade de ensino. Daí, em meados dos anos 50, através do professor Anísio Teixeira, surgiu a ideia de financiamento da educação pública, em que cada ente público recebia um repasse fundo a fundo para investimento na educação básica. Porém, com o regime militar em 1964, tudo caiu em declínio. Deu início ao investimento em educação técnica compulsória, puramente profissionalizante, sem que o país estivesse preparado para este novo modelo.
Desde então, o ensino público está desconectado com a realidade, seguindo um modelo arcaico, no qual cada etapa supostamente deve preparar o aluno para a seguinte, até atingir o nível superior. O aluno, após cursar a universidade, deveria estar preparado para o mercado de trabalho e, na prática, apenas se traduz em mais um desempregado profissional.
O governo FHC (1996) tentou resgatar a ideia de financiamento da educação pública. Para tanto, não apenas o ensino básico apresentava problemas, mas todo o sistema educacional brasileiro havia ruído. Foi criado o FUNDEF: fundo em que os entes públicos centralizam todo valor arrecadado para União e esta reparte aos Municípios.
Pelo projeto inicial de Anísio Teixeira, os municípios receberiam sua quota-parte com base na idade escolar dos alunos. Com a reformulação do projeto em 1996, os prefeitos passaram a receber do fundo pelo número de alunos matriculados. Daí já se deve imaginar: os prefeitos exigem dos gestores escolares que forcem os alunos a se matricularem. Com isso, cai a qualidade do ensino, mesmo com o aumento de investimentos.
É bom ressaltar que o principal motivo de evasão escolar é a reprovação. Em contrapartida, os prefeitos necessitam manter o número de alunos matriculados para não cair a arrecadação do fundo. E dois caminhos são possíveis: oferecer incentivos para melhorar a qualificação dos professores e a infraestrutura da escola ou baixam a qualidade do ensino, facilitando a aprovação dos alunos, criando uma geração de analfabetos funcionais. Nasce a aprovação automática, que diminui a evasão escolar, bem como a qualidade do ensino.
O que está ruim, sempre pode piorar. Em 2006 é criado o FUNDEB – o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) atende toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que vigorou de 1997 a 2006, o FUNDEB está em vigor desde janeiro de 2007 e se estende até 2020. Este é o motivo para votação apressada da PEC.
Mais de 20 anos de financiamento da educação demonstram que o investimento e o desempenho dos alunos são inversamente proporcionais. E mesmo assim, sem qualquer debate público, sem uma avaliação quanto aos resultados pífios alcançados pelos FUNDEB, o cidadão por meio de pagamento de tributos, irá novamente financiar não apenas um modelo educacional fracassado, como também as campanhas eleitorais dos que agora aprovam a indigesta PEC. Diminui-se a qualidade do ensino, mas não diminui as verbas investidas.
Cabe um voto de louvor aos inestimáveis esforços que nossos professores empregam para manter seus empregos e motivação para estarem em sala de aula. E mesmo assim tão desprezados e muitas vezes acusados injustamente. Nossos Mestres são diariamente pressionados por gestores para não reprovarem alunos, refazerem provas até que o aluno atinja a nota mínima para aprovação e até chegando ao cúmulo de imprimirem nota para que aluno não seja reprovado e diminua a arrecadação do FUNDEB. Os professores são vítimas do sistema.
Aumentar o repasse da União dos atuais 10% para 23% em 2026 não resolverá a crise educacional. A melhoria da qualidade da educação no Brasil exige primeiro uma avaliação de todo sistema, revisão do critério de distribuição e estabelecimento de critérios pedagógicos sem envolvimento ideológico. A constitucionalização de um fundo público é apenas mais uma jabuticaba incutida na imorta Constituição Federal, que dificultará as urgentes mudanças na educação. Não se pode levar a sério uma Constituição que nasceu com 250 artigos, em pouco mais de 30 anos já possui mais de 106 emendas – novos artigos – e é remendada semanalmente pelo STF.
Sérgio Augusto Costa é Advogado, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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