Por Acácio Moraes, da Folhapress
NÁPOLES – Pesquisadores dos Estados Unidos avaliaram, através de um questionário online, o padrão de consumo de quase 4 mil americanos entre os meses de maio e agosto de 2020, e descobriram que o aumento do consumo de álcool durante a pandemia pode estar associado a problemas de saúde mental.
Na pesquisa, publicada em março deste ano na revista científica Alcohol and Alcoholism, condições como ansiedade, depressão, estresse e TEPT (transtorno do estresse pós-traumático) foram os problemas mais relatados.
O professor Frederico Garcia, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que existe uma relação entre o uso de substâncias inibidoras do sistema nervoso central, como álcool, maconha e benzodiazepínicos, e o aumento de transtornos mentais. Esses químicos atuam liberando neurotransmissores no cérebro, como a dopamina, que causam dependência. Os pacientes buscam as substâncias como forma de aliviar os sintomas, mas acabam piorando o quadro geral.
Para o especialista, o isolamento social criou uma ruptura da cadeia de resiliência das pessoas, algo que agravou ainda mais os quadros de saúde mental. Por exemplo, a falta da pausa para o café no escritório tirou interações sociais importantes da rotina de muitos, acentuando sintomas de estresse de maneira geral.
Entre os perfis mais vulneráveis aos problemas estão as mulheres e pessoas de baixa renda. Os autores observaram que 23% do total de entrevistados consumiram mais álcool no período, enquanto 4% fez uso excessivo da bebida. Outros 4% reduziram as doses semanais.
Segundo Kleber Vargas, psiquiatra do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), muitos alcoólatras possuem alguma comorbidade, que podem ser transtornos de personalidade ou humor, como depressão ou quadros psicóticos.
O problema é comum e recebe o nome de patologia dual. Nesses casos, quando as intervenções psiquiátricas são feitas em conjunto, as taxas de sucesso terapêutico aumentam, pontua Vargas. Para ele, é fundamental manter a doença em estabilidade para alcançar longos períodos de abstinência.
Entre os resultados, também chamou a atenção dos pesquisadores o fato de que usuários moderados apresentaram menores sintomas de problemas de saúde mental entre todos os participantes. Entretanto, os autores advertem que o estudo não faz inferências sobre fatores externos não avaliados, como a vida social da pessoa. Por um lado, aquelas socialmente ativas têm tendência a beber mais, mas desenvolvem círculos sociais que fortalecem sua saúde mental.
Apesar do suposto benefício observado no curto prazo, a pesquisadora do departamento de psicologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Marianne Feijó, afirma que o consumo regular de álcool pode trazer problemas.
“É preciso encontrar formas de socializar que não dependam da bebida”, diz. Com o passar dos anos, além de fragilizar a saúde, o hábito também pode sair do controle -passar por questões financeiras ou pessoais pode influenciar.
A psicóloga destaca também a importância de olhar para o quadro sistêmico do problema, sem cair na armadilha de culpar apenas o usuário. Existem fatores sociais, familiares e estruturais que geram padrões de comportamento e causam vulnerabilidade social, principalmente para alguns grupos. Ela destaca a necessidade de políticas públicas mais abrangentes para enfrentar o problema coletivamente.
Para quem precisa de ajuda, o especialista Kleber Vargas aconselha buscar unidades de saúde básica do SUS (Sistema Único de Saúde) ou um psiquiatra particular, que poderá dar um diagnóstico da patologia dual.
O tratamento, nesses casos, passa por uma equipe multiprofissional e, além da intervenção psicoterápica, pode envolver mudança de hábitos, uso de medicamentos e até mesmo internação em casos graves. “Ainda hoje, o melhor tratamento para o alcoolismo em geral é tempo sem uso. Quanto mais tempo em abstinência, melhor”, diz Vargas.