Por Sylvia Colombo, da Folhapress
BUENOS AIRES – Apesar de ter concordado com a realização de um referendo revogatório que pode tirá-lo do poder antes do fim programado de seu mandato, em 2024, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, impôs regras consideradas pela oposição impossíveis de serem cumpridas.
A Constituição do país estabelece que todos os cargos eleitos por meio de pleitos populares podem ser revogados após a metade do mandato via referendo. Para convocá-lo, é necessário coletar a assinatura de 20% dos eleitores aptos a votar em um prazo estabelecido pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral).
Mas o próprio CNE jogou uma ducha de água fria na iniciativa. Na sexta-feira (21), estabeleceu que os opositores do Movimento Venezuelano pelo Revogatório (Mover) teriam apenas 12 horas nesta quarta-feira (26) para recolher as 4,2 milhões de assinaturas necessárias, deixando-os sem tempo para realizar uma campanha para a população. Mais de 1,2 mil locais de votação estarão abertos para recolher as assinaturas.
“É uma palhaçada. É humanamente impossível arrecadar as assinaturas nesse período estabelecido. Tampouco podemos expor a população a imensas filas em meio ao surto da variante ômicron”, disse o ex-governador César Pérez Vivas, um dos integrantes do Mover, que pertence ao partido Copei.
Outro membro do movimento, o dissidente do chavismo Nicmer Evans, defende que não se faça a tentativa de coletar assinaturas nesta quarta-feira e que uma nova data seja negociada.
Roberto Picón, integrante do CNE mas não alinhado ao chavismo, admitiu não ser factível o recolhimento das assinaturas no intervalo de tempo determinado.
“Teremos de processar cinco eleitores por minuto, por 12 horas, em todas as máquinas do país, sem margem de erro.” Picón, porém, é minoria entre os cinco reitores do órgão eleitoral. Dois, incluindo ele, são simpáticos à oposição, e três, ao chavismo.
Outros setores da oposição, como o grupo liderado por Juan Guaidó, ex-presidente da Assembleia Nacional, buscam outra saída para a crise política venezuelana.
“Defendo tanto um referendo revogatório como um plebiscito no qual a população nos dê respaldo para convocar uma eleição presidencial antes de 2024. Não tem sentido esperar o fim deste mandato ilegítimo”, disse Guaidó à Folha. “Se o revogatório tem tantos entraves, que se faça um plebiscito, como já ocorreu [em 2017, a oposição realizou uma consulta popular, cujo resultado não foi aceito pelo regime], mas com garantias de que o resultado seja respeitado.”
O líder opositor também afirma acreditar num retorno das negociações interrompidas no México para viabilizar esse plebiscito e na volta de manifestações. Por isso, está convocando a população às ruas “de modo pacífico” para o dia 12 de fevereiro, para pressionar por uma saída eleitoral antecipada.
Para Freddy Superlano, candidato impedido de participar da eleição em Barinas, o que ocorreu no pleito do último dia 9 é uma prova de que, “mesmo com o campo de jogo inclinado, é possível ganhar do chavismo”.
A eleição para governador do estado, em novembro, foi interrompida quando a contagem dava vantagem a Superlano. A candidatura dele foi, então, cassada, sob o argumento de que ele responde a acusações de corrupção, e a eleição, refeita. Ainda assim, a oposição venceu com Sergio Garrido, tirando o clã Chávez e seus aliados do poder em Barinas pela primeira vez em 20 anos.
“Não há democracia nem Estado de Direito na Venezuela, mas o que ocorreu foi que pressionamos, fizemos uma campanha muito local, muito focada. Não desistimos frente à tentativa de impugnação e nos impomos com uma boa vantagem. Tenho a convicção de que um esforço localizado pode fazer o que aconteceu em Barinas virar um exemplo do que se pode fazer em todo o país”, disse Superlano à Folha.
A analista política Colette Capriles concorda que o episódio é uma “boa experiência a ser aplicada em toda a Venezuela” e que “Barinas mostrou que um retorno à política local é mais eficiente do que o discurso antichavista”. “A oposição tem muito a ganhar se seguir essa estratégia em nível nacional.”
Para Capriles, um referendo ou um plebiscito ainda neste ano seriam “absurdos, porque a oposição não tem projeto nem candidato”. “Seu único projeto nos últimos anos foi tentar tirar Maduro, e o principal problema da Venezuela hoje não é trocar de líder. Chávez saiu, e o chavismo continuou. É necessário construir modelos alternativos ao aparato que o chavismo criou, além de uma candidatura legítima consensual. A experiência de Guaidó não funcionou, e o diálogo no México não vai voltar”, afirma. “Uma eleição antecipada colocará Maduro na posição de vítima, e ele voltará a se fortalecer.”