Um dito popular recomenda que a melhor forma de lidar com os vícios é evitá-los, todavia, se ocorrer a viciação, é preciso tratá-la.
Faz muito sentido o que recomenda a tradição, principalmente considerando a complexidade, o tempo dispensado e os custos de tratamento de alguém viciado.
Deve-se levar ainda em conta a enorme dose de paciência, de criatividade e de inabalável esperança na recuperação de quem sofre de dependência química, comportamental ou psíquica. Aliás, referente a viciados ou dependentes, esse é um número que aumenta cada vez mais, principalmente levando em conta o peso da participação dos negócios do tráfico de drogas na economia do crime de um modo geral.
Viciar mais, produzir mais dependentes, globalizar como nunca o processo de viciação humana e, além de consumidores, recrutar mais soldados e operários para o tráfico ilícito, são medidas essenciais para manter super-lucrativa a economia das drogas, controlada por organizações criminosas.
O viciamento humano e a economia das drogas potencializam os lucros da robusta economia do crime. O vício em drogas químicas e em substâncias entorpecentes vincula-se também a outros vícios lícitos e ilícitos (alcoolismo, tabagismo, prostituição, jogos de azar, corrupção, diversos tráficos, fraudes, roubos e furtos…), produzindo resultados monetários e financeiros à custa da significativa escalada da precarização cognitiva, da violência, da criminalidade, de bárbaros processos que arruínam a dignidade humana e aprofundam graves crises humanitárias.
Portanto, viciar cada vez mais as pessoas, torná-las ainda mais dependentes e manipuláveis, não é mero jogo econômico de organizações criminosas e de certos arranjos políticos, na realidade, é “a alma do negócio”.
Não basta reprimir, é necessário evitar e tratar
Para enfrentar o recrutamento em grande escala de consumidores de substâncias entorpecentes, de soldados e de “operários” do tráfico, em especial de adolescentes e de jovens em situação de vulnerabilidade, é necessário tratar do viciado ou dependente e, ao mesmo tempo, desenvolver ações assistenciais, educacionais e campanhas para evitar a formação de novos dependentes, drogaditos ou novos adeptos de comportamentos viciados.
O mesmo trabalho preventivo de conscientização e desprestígio social, efetuado em relação ao uso do cigarro, pode ser feito com referência às demais substâncias químicas entorpecedoras, a produtos alucinógenos ou que levem à dependência e a condutas viciadas.
Com respeito ao viciado, não basta reprimi-lo penalmente, antes é preciso tratar dele. A pena restritiva de liberdade imposta ao dependente não tem surtido efeito positivo algum ao indivíduo nem à sociedade. Historicamente, essa abordagem meramente repressiva não tem funcionado, embora seja extremamente onerosa, complexa e ilusória. Em regra, obtém-se resultado muito pior aprisionando o viciado com indivíduos de maior periculosidade em estabelecimentos penais.
Desse modo, é fundamental recorrer a novas abordagens para evitar o recrutamento em massa, sobretudo de adolescentes e de jovens, instrumentalizados a serviço da atividade do tráfico ilícito, da viciação humana, que movimenta a economia alicerçada nos vícios, bem como para ampliar as perspectivas do tratamento de viciados ou dependentes.
Tratar de viciados
Uma vez viciado ou dependente, em regra, não existe tratamento fácil, simples nem “barato”.
O processo de reabilitação psíquica, comportamental, social e química é lento, complexo e caro. Leva tempo o caminho de volta à autonomia do discernimento e ao hábito da lucidez. Cada passo em direção à reconquista das qualidades cognitivas e habilidades perdidas ou esquecidas deve ser confirmado e celebrado. É um efeito considerável submergir das profundezas da dependência e do viciamento humano.
Embora possam ser lícitas ou ilícitas as substâncias ou condutas, todos os vícios culminam no prejuízo à saúde e à dignidade de quem é viciado. No curso do processo de tratamento da viciação ou da dependência, existem diversas fases e experiências, algumas com ilusões de prazer, outras diretamente dolorosas. O vício ou a dependência é como aquela criatura que vai, lenta ou celeremente, devorando o seu próprio criador, inclusive consumindo por vezes aquelas pessoas que convivem ou se relacionam com o viciado.
Tratar dos viciados é algo complexo e desafiador. Há métodos e pedagogias reconhecidas, contudo, não há fórmulas nem meios infalíveis. Não apenas por estes próprios métodos e pedagogias terem as suas falhas ou limitações, defeitos ou lacunas, mas especialmente por conta da falibilidade dos sujeitos que as adota ou administra.
Quando o viciado conta apenas consigo para tratar a dependência, a situação é geralmente mais difícil, pois se saudáveis somos falíveis, então, imagine quando somos portador de alguma dependência ou viciamento que reduz o discernimento… Podemos chegar a perder o autocontrole e até causar graves danos a si mesmo e a terceiros.
Há indivíduos, no entanto, que mesmo diante dessas limitações ou fraquezas, ainda assim, conseguem ser capazes de dar passos significativos na direção de resultados de saúde almejados. São conquistas relevantes que renovam as esperanças e fazem acreditar na recuperação daqueles que se dedicam a alcançar os resultados benéficos do tratamento.
Embora possam ocorrer recaídas, certas resistências, provocações e atos descompensados, deve-se ter claro que tal processo de reabilitação é um tipo de recomeço, como reaprender a andar. Andar, geralmente, aprende-se caindo e levantando. Algumas quedas são previsíveis no curso do processo de reconquista da autonomia da cognição, de autodomínio da vontade e da libertação de certos vícios. Todavia, mais importante é a determinação de retomar ou recomeçar a caminhada em direção à reabilitação cognitiva, volitiva, química e social.
Nessa jornada de tratamento de dependentes químicos ou de viciados comportais podem ocorrer também eventos ou situações turbulentas, que podem resultar em envolvimento em delitos, prisões, linchamentos físicos ou morais, dentre outros. É fundamental estar atento e empenhado na trilha proposta para recuperação.
Atitudes relevantes
Algumas atitudes de comprometimento com o processo de tratamento da viciação e de cura da dependência são amplamente recomendadas por metodologias aplicáveis a essas situações, tais como:
1. Admitir que é viciado: ter consciência de que é dependente e não subestimar o vício ou o objeto do mesmo;
2. Conhecer o grau de sua própria viciação: ter noção do quanto é dependente ou viciado em determinada substância ou comportamento ilícito ou prejudicial;
3. Perceber as influências, relacionamentos ou situações que contribuem para conduzir ao vício ou alimentar a dependência;
4. Reconhecer que precisa de ajuda: admitir que necessita de amparo e até intervenção assistencial ou médica para tratar a dependência ou o vício;
5. Buscar apoio adequado e o tratamento compatível com o grau de dependência ou viciação humana;
6. Disposição para participar do processo de tratamento, reabilitação e reconquista da autonomia cognitiva e hábitos de não-dependência química ou comportamental;
7. Empenhar-se para trocar adequadamente certas sensações, tensões, irritações, preocupações, padrões mentais negativos, confusões emocionais ou interpessoais por proativas ocupações e pensamentos benéficos à própria saúde;
8. Buscar cultivar o hábito do autodesenvolvimento da cognição e de autodomínio sobre a própria conduta, inclusive por meio do serviço voluntário com vistas à prevenção do viciamento humano.
Essas orientações gerais acerca de atitudes que contribuam para tratar dependentes químicos ou outros tipos de viciados fazem parte, de modo frequente, das principais pedagogias e métodos voltados para lidar e tratar a viciação humana. Expusemos apenas um supra-sumo de aspectos básicos de conseqüentes pedagogias e formas de tratamento de vícios, a fim de refletir sobre o processo de reconquista da saúde mental, da autonomia volitiva e da própria paz individual. Uma jornada quase literalmente de livramento das trevas em direção à luz, no sentido do resgate da qualidade cognitiva e do discernimento humano. Porém, cumpre necessariamente relembrar que, em se tratando de dependências ou vícios, é sempre melhor “prevenir do que remediar”.
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