
Na aula inaugural da disciplina de Introdução à Sociologia, ministrada em um curso na UFRR (Universidade Federal de Roraima), na segunda semana de março, utilizamos o ‘tema do momento’ para entender a o papel da sociologia na sociedade. Denominamos a atividade de ‘lições do Coronavírus – COVID/19’. A turma foi dividida em grupos de estudos e cada equipe recebeu um pequeno texto para orientar suas análises e apresentar suas conclusões num debate em plenário. Algumas das ‘lições do Coronavírus – COVID/19’ refletidas à luz da sociologia são dignas de serem compartilhadas. Destaco aqui as três principais conclusões a que chegaram os grupos de estudos.
A primeira lição refere-se à interligação entre o humano e a natureza. O grupo, orientado pela leitura Carta Encíclica Laudato Sì Papa Francisco, sobre o cuidado da Casa Comum (2015), destaca o seu artigo 16 que afirma “a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida”.
Esta é a primeira lição do ‘COVID/19’. A começar pela estreita relação entre animais silvestres e humanos. O que se sabe até o momento é que um determinado vírus, supostamente alojado no organismo de um animal silvestre em determinado espeço do mundo, sofreu uma mutação genética, contaminou um organismo humano, e, sem maiores explicações, espalhou-se rapidamente por milhares de pessoas no mundo inteiro. A partir de então, o ‘COVID/19’ vem provocando impactos importantes de abrangência mundial na sociedade, na política, na economia, nas religiões, na cultura, na ciência. Lembrando a todos e todas que “tudo está interligado nesta casa comum” (refrão da música do compositor Cireneu Kuhn em homenagem à Laudato Sì).
Por fim, à luz da sociologia, o grupo concluiu que o ‘COVID/19’ nos faz recordar a lição do cuidado, destacando alguns trechos da composição de Cireneu Kuhn que sintetizam as ideias centrais debatidas na Encíclica Laudato Sì: “o cuidado com as flores do jardim, com as matas, os rios e mananciais; o cuidado com o ar e os biomas com a terra e com os animais; o cuidado com o ser em gestação com as crianças um amor especial; o cuidado com doentes e idosos pelos pobres, opção preferencial; a luta pelo pão de cada dia, por trabalho, saúde e educação; a luta para livrar-se do egoísmo e a luta contra toda corrupção; o esforço contra o mal do consumismo e a busca da verdade e do bem; valer-se do tempo de descanso, da beleza deste mundo e do além; o diálogo na escola e na família entre povos, culturas, religiões; os saberes da ciência, da política, da fé, da economia em comunhão; o cuidado pelo eu e pelo tu pela nossa ecologia integral”.
A segunda lição do ‘COVID/19’ foi elaborada a partir da leitura do livro Dialética da Natureza de Friedrich EngelsEngels, publicado no Rio de Janeiro, pela Editora Paz e Terra em 1979. O texto original foi publicado em alemão em 1925, mas, é provável que tenha sido entre 1872 e 1882.
Engels deixa claro nesta obra que ou destruímos a natureza e nos afundamos com ela, ou nos salvamos através de uma nova forma de relação em que a vida dos seres humanos e de toda a natureza esteja em primeiro lugar. O que se conclui é que a intensa exploração da natureza vem acarretando diversas catástrofes naturais, não podendo mais esconder a estreita ligação entre estas e a destruição do meio ambiente pela ação humana. Percebe-se com isso que os problemas ambientais são sistêmicos, interligados. Sabe-se porém, que não é possível ecologizar o capitalismo. Há muito Engels já alertava a sociedade para o risco da exploração sem limites da natureza afirmando que “não devemos vangloriar-nos demais com as vitórias humanas sobre a natureza, pois a cada uma destas vitórias, a natureza vinga-se às nossas custas”.
Nesta perspectiva, a segunda lição ‘COVID/19’ desperta-nos para repensar nosso modo de vida marcado pelo consumismo, pelo desespero e pela ansiedade que limitam a imunidade do organismo e o deixa vulnerável a todo tipo de doenças.
A terceira e última lição que destacamos de um conjunto maior de reflexões refere-se ao tema do isolamento social voluntário com a orientação para não sair de casa para idas à escola, ao trabalho, ao café, à praça, ao cinema, ao centro comercial…
Esta lição nos remete ao conceito do tempo na formação capitalista para o qual “tempo é dinheiro” frase muito antiga atribuída ao filósofo norte-americano Benjamim Franklin (1706-1790), o inventor do para-raios. Na maratona para transformar tempo em dinheiro, a sociedade moderna vem relativizando muitos valores humanos e humanitários tornando-se quase escrava do tempo cronológico que passa muito rápido, exigindo que nos coloquemos permanentemente em marcha desesperada contra o tempo.
O tempo de parar e nos recluir no interior de nossas casas, com nossas famílias, cuidando-nos mutuamente, nos faz repensar nosso modo de vida na moderna sociedade capitalista que, perderá muito dinheiro com esta ‘parada obrigatória’. Isso é fato. Mas, ganharemos muito mais. Garantiremos a saúde, a proteção, o cuidado, o carinho e afeto mútuo em meio à histeria do medo provocado pelo alarde do ‘COVID/19’.
Por fim, a grande lição do ‘COVID/19’ só saberemos mais adiante, quando tudo isso passar.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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