“Liberdade é uma calça velha/Azul e desbotada/Que você pode usar/Do jeito que quiser/Não usa quem não quer…” dizia um bordão publicitário de uma fábrica de confecções que fazia da repressão do regime militar um instrumento de consumo.
É razoável dizer que talvez nunca se falou tanto em e sobre liberdade. É uma pauta do mundo todo e desejo proclamado por qualquer um. Por isso, este é um tema que vale a pena dissecar na medida que traduz os ideais de vida privada de nosso tempo. Vale a pena chegar mais perto deles e buscar identificar sua gênese, e seu sentido em relação ao todo social. Vários valores surgem como demandas desse sujeito contemporâneo que vive uma insatisfação quase crônica. Seja com a iminência de cada segunda-feira, seja em toda discussão de relacionamento conjugal cansada, enfim, tudo aquilo que lembra o indivíduo que sua vida está beirando o insuportável.
Verifica-se, cada vez mais, que o discurso padrão das pessoas consiste em afirmar que elas querem ser felizes, querem sofrer menos, ou ter mais prazer. Isto é, parte significativa dos habitantes de grandes cidades ou de alguma forma estão sofrendo com depressão e ansiedade, ou expressam uma insatisfação insanável com seu modo de vida. Todas essas demandas, todas essas deficiências não surgem do nada, obviamente, são todas sintomáticas. Elas só possuem sentido à luz das condições sociais e históricas para isso. Ou melhor dizer: todo homem é fruto de seu tempo, como temos ilustrado com a reflexão da tragédia filosófica de nosso tempo.
O quadro sistêmico de valores dominantes – que em sua origem teórica refere-se sempre a uma ideia de liberdade inata do indivíduo – exerce mais uma das suas contradições ao exaurir a liberdade dos sujeitos que sustentam as engrenagens. Em linhas práticas, aquele sujeito empenhado em “subir na vida”, disposto a ceder ao ideal calvinista de existência, é refém de sua própria carreira. Nunca ficará satisfeito com sua posses, frequentemente desejará aumentar seu nível de consumo, estando sempre seduzido pelo fetichismo da mercadoria. Continuará sempre escravo de um compulsório modo de trabalho que só o faz para sustentar um padrão de vida considerado necessário para, ironicamente, alcançar uma suposta liberdade – de comprar o que quiser.
Se no início do ideal capitalista havia uma legitimação “divina” – se você é rico é porque Deus se alegra com você, como pregava Calvino – para provar sua superioridade em relação aqueles que não tinham posses, hoje com as crenças e tradições relativizadas – e transformadas também em mercadoria – a legitimação tem outro formato e se chama “sucesso” social e financeiro. Todos querem ser “alguém na vida”, ou “chegar lá”.
Liberdade não tem relação alguma com fazer o que se bem entende. Até porque “o fazer” raramente tem forte relação com “o entender”. Não controlamos o que desejamos. Pois o desejo se encontra para além de qualquer autonomia do sujeito sobre ele mesmo – para ficar com a célebre frase do gigante pensador Sigmund Freud ” Não somos donos de nossa própria casa”.
Mesmo quando em tese se faz livremente uma escolha, deve-se saber que nossas opções já são pré determinadas.
Na capacidade de cada um reconhecer sua determinação sistemática, no conhecimento da maneira com que podemos utilizar as ferramentas de transformação, aí reside a nossa maneira de ser livre.
Sempre é possível ser diferente. E o humano é o único agente capaz de se transformar a si mesmo. Por isso, somente na capacidade de reconhecer o que se faz necessário é onde nossa liberdade faz morada.
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