Da Folhapres, por Bianka Vieira, Dhiego Maia e Marcelo Toledo
SÃO PAULO – Uma série de operações da Justiça Eleitoral que impediu a realização de eventos políticos em diferentes universidades públicas foi encarada por especialistas em direito eleitoral como “um grave atentado à democracia e à liberdade de expressão”.
As medidas, na maior parte delas relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular, vêm acontecendo nos últimos três dias e focam na suspensão de aulas públicas e eventos com temas como fascismo, democracia e ditadura militar. Alunos, professores e dirigentes de universidades públicas apontam censura.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a Justiça ordenou que a Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense) retirasse da fachada uma bandeira em que aparece a mensagem “Direito UFF Antifascista”. A bandeira chegou a ser removida na terça-feira, 23, sem que houvesse mandado judicial, mas logo depois foi recolocada por alunos.
A decisão judicial, proferida após 12 denúncias recebidas contra a faixa, diz que ela teria “conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL)”. No lugar da antiga bandeira, apareceu uma nova com a palavra “censurado” no prédio. Os estudantes, que negam ter feito propaganda político-partidária, organizam uma manifestação para esta sexta-feira, 26.
Houve decisões judiciais semelhantes no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso do Sul e na Paraíba. Há relatos de ações do tipo em ao menos 35 instituições.
“A defesa da democracia e do debate livre nos ambientes acadêmicos devem ser assegurados e não podem ser confundidos com propaganda eleitoral”, diz Renato Ribeiro de Almeida, professor da Escola Paulista de Direito.
“O que eu vi nas universidades alvo das operações foram cartazes contra o fascismo. Ser contra ele é uma bandeira universal. Isso não quer dizer que seja um pedido de voto”, completa Almeida.
Propaganda eleitoral é bem diferente de debate político, segundo Fernando Neisser, presidente da Comissão de Estudos de Direito Eleitoral do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).
O especialista do Iasp explica que a propaganda eleitoral configura-se pelo pedido explícito de voto a um determinado candidato ou ao número da chapa pela qual ele é representado. “Isso é propaganda eleitoral e ela é vedada em ambientes de uso público, como as universidades”, diz Neisser.
O advogado especialista em direito eleitoral, Arthur Rollo, da Faculdade de Direito de São Bernardo (SP), lembra que debate político é um espaço para discussão de ideias. “Com posições claras, isonomia e respeito à diversidade de opiniões”, explica.
Estudantes, funcionários e professores das instituições de ensino superior do país também não podem fazer panfletagem e nem apoiar uma candidatura com faixas e cartazes pelos prédios das faculdades. Os espaços das universidades públicas também não podem ser usados para eventos de partidos políticos, segundo a legislação eleitoral.
Henrique Neves, presidente do Ibrade (Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral) e ex-ministro do TSE, lembra: “não tem nada de errado a realização de eventos universitários que defendam ideias e propostas políticas”.
É preciso cautela, defende Silvana Batini, professora da FGV Direito no Rio, ao dizer que a medida de fiscalização nesses ambientes não deve se equiparar a uma ação num shopping center -também um espaço de uso comum onde se proíbe a propaganda eleitoral.
“A proibição da propaganda tem que ser compatibilizada com o espaço de liberdade de expressão e de autonomia constitucional que cada universidade tem. Tratar sem especificidade pode causar controvérsias”, diz Batini.
Manifestações
Reitor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Ricardo Marcelo Fonseca postou nesta sexta-feira, 26, texto numa rede social em que afirma que nos últimos dias a liberdade de expressão está sofrendo restrições e que as universidades estão sendo censuradas.
“É um processo que segue o modo como as restrições de direitos e a erosão das democracias modernas têm geralmente ocorrido: por meio do ‘normal funcionamento das instituições’ e, neste caso em particular, por determinações da Justiça Eleitoral”, disse.
“A justificativa jurídica que embasa estas ações é sempre a mesma: o art. 24 da Lei 9.504/1997, que estabelece a proibição de publicidade eleitoral em órgãos da administração pública (que é obviamente justificada e razoável). Mas a questão é: todas estas manifestações configuram mesmo ‘publicidade’ para algum candidato? Essas manifestações justificam ações repressivas e de força? E sobretudo: isso justifica jogar na lata do lixo uma das liberdades fundamentais mais caras que conquistamos do ponto de vista civilizacional, a liberdade de expressão?”, questionou o reitor.
Ele também questiona os motivos de atos contra fascismo e ditadura poderem ser considerados como irregularidade jurídica na propaganda eleitoral. “Ou nos levantamos agora contra isto ou permitiremos que se cravem no país cicatrizes que vão nos custar caro no futuro.”
Em Belo Horizonte, estudantes da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) fizeram nesta manhã um ato no campus contra a ditadura e pelas liberdades democráticas. É a sequência de protestos que se acentuaram nos últimos dias.
Na última quarta-feira, 24, estudantes já tinham protestado após a retirada de uma faixa com dizeres “Antifa”, em alusão a Bolsonaro. Outra faixa já tinha sido retirada com os dizeres “Icex pela democracia”, seguido de “#elenão”, no Instituto de Ciências Exatas.
As manifestações são decorrência de decisão do TRE mineiro após duas denúncias recebidas pelo sistema online. Os autores do pedido não foram divulgados pela Justiça. A juíza Riza Aparecida Nery, da 31ª zona eleitoral, entendeu que as faixas configuravam campanha política.
“Esse texto refere-se claramente, de maneira negativa, ao candidato à presidência da república Jair Messias Bolsonaro (PSL), utilizando-se de uma instituição pública federal para a realização de propaganda eleitoral em favor do também candidato ao cargo de presidente da república Fernando Haddad (PT) […] Sabe-se que a legislação é clara ao proibir qualquer tipo de propaganda eleitoral em bens de uso comum”, disse a juíza na decisão.
A reportagem procurou a Reitoria da UFMG, que ainda não comentou o assunto.
No Rio Grande do Sul, a Escola de Comunicação, Artes e Design da PUC-RS foi alvo da um embate nesta quinta-feira, 25, envolvendo um integrante do MBL e estudantes da instituição. Com uma camiseta com a frase “Ustra Vive”, ele foi hostilizado pelos alunos e deixou o local escoltado por agentes de segurança.
No Rio, nota da Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Adufrj) afirma que a “universidade está sendo vigiada e atacada”.
Segundo a associação, na quarta-feira, 24, cinco fiscais eleitorais assistiram a uma assembleia estudantil “em defesa da democracia e contra o fascismo” no campus Macaé. Um dos fiscais teria exibido ordem judicial para prender aqueles que fizessem “fala tendenciosa”.
Amazonas
Na Universidade Federal do Amazonas, fiscais eleitorais acompanharam um ato contra a violência e o assédio. Segundo a instituição, como nenhuma irregularidade foi constatada, a mobilização docente continuou e os fiscais foram embora.
A universidade já havia se manifestado em nota preocupação com ações de intolerância. A nota não cita nenhum candidato e nem emite posicionamento política.
“A demonstração de intolerância contra as matrizes do pensamento crítico tem se manifestado de forma física e simbolicamente violenta. Professores são atacados, mensagens enviadas por redes sociais trazem veto ao conteúdo ministrado pelos (as) docentes. A comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), mulheres e a comunidade acadêmica em geral têm sido sistematicamente assediadas, agredidas, coagidas, por sujeitos que vêem na repressão o único meio para se contrapor ao livre pensar”, diz a nota. A instituição diz repudiar toda forma de violência política.