Por Géssica Brandino, da Folhapress
MOGI DAS CRUZES – A figurinha de uma mulher ajoelhada com os dizeres “glória a Deus” foi a primeira reação que a juíza Aline Tomás recebeu ao adotar recursos de visual law para comunicar suas sentenças na Justiça de Goiás. Do outro lado da tela do WhatsApp, a mensagem dizia: pela primeira vez entendi 100% do que saiu do Judiciário.
A magistrada, que atua na 2ª vara de família e sucessões de Anápolis, do TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás), conta que sempre se preocupou com a comunicação, mas que mesmo assim, durante a pandemia e interrupção dos atendimentos presenciais, percebeu que precisava ir além e buscar soluções que ajudassem na compreensão das sentenças.
Em junho de 2020, ela começou o projeto “Simplificar 5.0”, resumindo as principais informações de audiências em seis blocos de frases curtas e recursos como fluxogramas e ícones. Aline conta que, além da aceitação positiva, a iniciativa tem permitido o acesso à Justiça.
“Um resumo ilustrado nos permite democratizar a Justiça e permitir que ela seja alcançável para todos, e não só por quem é operador do direito”, diz. O visual law é uma corrente da área jurídica que incentiva o uso de elementos audiovisuais para melhorar a comunicação.
A juíza Michelle Amorim Sancho Souza Diniz, que é titular da 1ª Vara de Presidente Dutra, do TJ-MA (Tribunal de Justiça do Maranhão), também resolveu usar essas técnicas nos primeiros meses da pandemia para explicar o funcionamento das audiências virtuais e teleperícias.
“A ideia é facilitar a vida daquele que procura o Judiciário com uma forma mais simples de acessar as informações, porque a gente sabe que o juridiquês é um pouco prejudicial”, diz ela, que cursa o segundo mestrado tendo como linha de estudo a administração da Justiça e formas de torná-la mais eficiente.
O uso de elementos audiovisuais para melhorar a comunicação é também o enfoque que Alexandre Morais da Rosa, juiz do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e professor da UFSC e da Univali, diz destacar nas aulas.
“Antes de começar a usar ou se empolgar demais, ter o conhecimento mínimo para que se possa usar com moderação, tendo sempre como norte que a importância do uso do recurso visual é a melhoria da precisão, da acurácia e da clareza do argumento, não a beleza da imagem ou a representação gráfica por ela mesma”, afirma ele, que é autor de diversos livros e membro honorário da Associação Ibero Americana de Direito e Inteligência Artificial.
O uso moderado dos recursos do visual law foi defendido pela maioria dos magistrados da Justiça estadual que responderam de forma anônima ao questionário aplicado entre os meses de junho e novembro de 2021 pelo grupo de estudos VisuLaw, que reúne entusiastas na técnica.
O objetivo da pesquisa era analisar a percepção dos juízes que atuam nessa esfera sobre o visual law em petições enviadas por advogados. Para 78% dos 503 magistrados de todo o país que responderam, a técnica facilita a análise da petição, desde que aplicada sem excessos.
Apresentados a três modelos de petição com aplicação das técnicas, a maioria (47%) optou por uma peça formatada em preto e branco, com espaçamentos maiores e blocos de texto. O modelo com uso de cores na margem superior e nos títulos, espaçamento e um bloco de textos com pictogramas teve a aceitação de 44%. A petição totalmente colorida, por sua vez, foi aceita por apenas 9%.
“O que percebo nas petições que recebo é que na maioria das vezes as pessoas têm interpretado o visual law como um verdadeiro carnaval de cores, lançando mão de tudo que ele oferece como ferramenta”, diz a juíza Aline Tomás.
“Aí fica uma petição truncada e que não se faz entender, porque aí ela nem se comunica na linguagem jurídica e nem de forma apropriada com os elementos visuais, o que acaba por prejudicar a defesa daquele cliente”, completa.
O professor e juiz Da Rosa vai além e diz que há casos em que a petição acaba por se transformar em um “pinheirinho de Natal”, sem foco no objetivo do recurso.
“O escopo primeiro é a transmissão de ideias, não de imagens e recursos visuais. Tem gente colocando a foto do advogado como marca d’água no fundo, coisas inacreditáveis e que não são visual law”, diz.
Quase a metade dos participantes do estudo diz já ter recebido petições com links. Gráficos foram citados por 42% e fluxogramas por 38%.
Ao serem questionados sobre quais elementos visuais não devem ser usados em petições, os pictogramas ou ícones receberam 44% das menções, seguidos pelos QR Codes, com 39%, e links de acesso externo, com 35%.
Coordenador da pesquisa, o advogado Bernardo de Azevedo e Souza, que é professor de pós-graduação em direito na Universidade Feevale, de Novo Hamburgo (RS), diz que ainda neste ano será realizada uma nova etapa do estudo, com entrevistas com os magistrados para entender o motivo da rejeição desses elementos.
Dentre as hipóteses, ele cita a possibilidade de os magistrados enxergarem os pictogramas como ilustrações que em nada afetam a comunicação. A rejeição aos links externos pode estar relaciona à insegurança e aos QR Code à necessidade de um trabalho adicional para acessar as informações.
“Na prática, o juiz precisa sacar seu celular, direcionar o aparelho para a tela, acessar o código, analisar o conteúdo extra-autos e depois retornar ao processo físico ou eletrônico”, diz.
Em 2020, a pesquisa foi aplicada a magistrados da Justiça Federal com o mesmo resultado em relação ao uso desse recurso.
O juiz do trabalho Francisco de Assis Barbosa Júnior, que atua na 2ª vara do trabalho de Campina Grande (PB) do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 13ª região, diz que não participou do estudo naquela ocasião e que aprova o uso do QR Code nas petições. Para ele, existe uma resistência natural ao que é novo e que a aceitação varia de acordo com o magistrado, pois alguns são mais tradicionais.
“Se você gosta dessa nova tecnologia, você pode ir lá [acessar o QR Code]. Acho sensacional, enxuga bastante e nos concede muito mais tempo para trabalhar, porque demanda menos tempo para ler aquela petição”, diz o juiz, que em 2021 criou o projeto Design TRT, com intuito de melhorar a comunicação das decisões e que, segundo ele, foi aprovado tanto por advogados quanto pelo público.
Para a juíza Michelle Sancho, apesar de ser um bom recurso, o uso dos QR codes nas peças processuais acaba prejudicando o acesso às informações. “De repente, conter essas informações na petição e concentrar naquilo que interessa. Às vezes, são várias informações que não tem nenhuma relação com a causa e você fica tentando separar o que é importante e o que não é”, diz.
Para 73% dos participantes da pesquisa, a argumentação genérica é o principal problema das petições, seguido pelo excesso de páginas e redação prolixa, citados por 72%. Como solução, a redação objetiva foi citada por 99%, a boa formatação por 64%, a redução do número de páginas por 58% e a combinação de elementos textuais e visuais por 41%.
Neste ano o questionário do estudo será enviado para ministros dos tribunais superiores.