Por Leandro Colon, da Folhapress
BRASÍLIA-DF – O juiz federal Ney Bello Filho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, decidiu nessa sexta-feira, 7, se declarar impedido de julgar o caso do escândalo dos atos secretos do Senado, que completa dez anos nesta semana.
A decisão ocorre depois de a Folha de S.Paulo revelar nesta sexta-feira que o julgamento em segunda instância aguarda um desfecho há quatro anos. O caso corre no gabinete de Ney Bello Filho desde março de 2015.
O magistrado fez carreira no Maranhão, seu estado natal e reduto político do ex-senador José Sarney (MDB), presidente do Senado na época da revelação dos boletins sigilosos, usados para nomeações e concessão de privilégios. Sarney foi o pivô da crise que atingiu a Casa em 2009.
O juiz federal foi escolhido para o
TRF-1 por meio de uma lista tríplice enviada em 2013 à então presidente
Dilma Rousseff (PT), aliada de Sarney, e contou na ocasião com o apoio do grupo
político do ex-presidente. O ex-senador e o magistrado são confrades na
Academia Maranhense de Letras.
Em ofício ao tribunal nesta sexta-feira, o magistrado informou que tomou a
decisão de não julgar o caso após verificar a existência da nomeação de um
parente dele no Senado por meio de um boletim administrativo de 2006.
No documento assinado nessa sexta, Ney Bello Filho informa que o processo pode ser julgado no dia 18 de junho sob a relatoria de outro magistrado. Em outubro de 2014, a Justiça Federal de primeira instância condenou dois ex-diretores do Senado, Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi, e outro servidor, Franklin Paes Landim, por improbidade administrativa, com suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa.
Agaciel chegou ao cargo de diretor-geral pelas mãos de Sarney em 1995. Saiu em março de 2009 após a Folha de S.Paulo revelar que ele ocultou uma mansão em Brasília. Ele é apontado na ação dos atos secretos como o ‘mandante do esquema’ que favoreceu parentes de senadores, por 15 anos, incluindo o próprio ex-presidente. A sentença, assinada pelo juiz Jamil Oliveira, afirma que “de tudo quanto se produziu de prova, tem-se a plena e irrefutável convicção do esquema montado pelos réus”.
De acordo com o Ministério Público Federal, houve uma “operação de concerto criminoso” para “ocultar de forma dolosa e dissimulada” a publicação dos atos. O processo subiu para a segunda instância, e a Procuradoria defendeu, em parecer, a manutenção da sentença. Desde então, o caso está parado. São quatro anos sem julgamento. O processo foi inserido e retirado de pauta da terceira turma do TRF-1 (presidida por Ney Bello e composta por mais dois juízes) três vezes de lá para cá. A ação retornou na terça-feira, 4, para pauta de julgamento, um dia depois de a Folha de S.Paulo questionar o gabinete do juiz federal.
Procurado pela reportagem, o juiz não
mencionou nenhum impedimento e argumentou que o processo segue um ‘fluxo
normal’ para ser apreciado diante do alto volume de ações. Ele negou influência
de Sarney na morosidade.
Agaciel Maia foi condenado por improbidade em 2014, incluindo a suspensão
dos direitos políticos por oito anos.
Nas eleições passadas, ele foi reeleito deputado distrital no Distrito Federal pelo PR. Se a condenação tivesse sido ratificada pelo colegiado de segunda instância antes da eleição, por exemplo, ele seria enquadrado na Lei de Ficha Limpa e impedido de concorrer.
O escândalo dos atos secretos levou à maior crise administrativa da história do Senado. Uma sindicância interna identificou em 2009 a existência de 663 boletins usados clandestinamente para nomear parentes de servidores e senadores e criar cargos, benefícios e privilégios. Uma auditoria da Fundação Getulio Vargas também apontou que medidas não foram publicadas.
Os boletins foram revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo em 10 de junho daquele ano. Em entrevista exclusiva à Folha de S.Paulo, Franklin Paes Landim, chefe do serviço de publicação do boletim de pessoal do Senado, confirmou o esquema e afirmou que recebia ordens de Agaciel e de João Carlos Zoghbi, ex-diretor de Recursos Humanos.
A crise política quase culminou, na época, na queda de Sarney da presidência do Senado. Com o apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o emedebista conseguiu barrar pedidos de investigação no Conselho de Ética, além de segurar a pressão para que renunciasse. O namorado de uma neta de Sarney chegou a ser nomeado por ato secreto. Revelou-se ainda que um neto do político operou a venda de crédito consignado na Casa. O Ministério Público Federal abriu investigação e denunciou em 2010 a cúpula administrativa da Casa.
O processo aponta que Agaciel Maia agiu ‘deliberadamente’ no sentido de ocultar as medidas, causando “prejuízos à moralidade administrativa”, “motivo de escândalo em todo o país”, “contribuindo assim decisivamente para conferir mais descrédito a instituição legislativa a que devia lealdade”.
Outro lado
O juiz federal Ney Bello Filho afirmou que
jamais recebeu apelo de Sarney ou dos réus para segurar o processo. “Nunca
ninguém falou comigo”, disse.
Ele ressaltou desconhecer a influência do ex-senador na sua escolha por
Dilma em 2013. “Recebi o apoio de todos os parlamentares do Maranhão, e Sarney
foi senador pelo Amapá”, disse.
O juiz alegou que contrariou o grupo de Sarney ao tomar decisões, em 2009, desfavorável a seu filho, Fernando, na chamada operação Boi Barrica, que investigou suas atividades empresariais.
Sarney afirmou, por meio da assessoria, que “tem apenas uma relação cordial com o juiz federal, embora ele seja membro de ilustre família que sempre foi sua adversária política e sejam confrades na Academia Maranhense de Letras”.
Disse ainda que nunca foi consultado por Dilma sobre a escolha para o TRF-1. Segundo ele, Ney Bello “era um dos mais antigos juízes do Maranhão e sempre gozara de brilhante conceito, quer pessoal, quer funcional”.
Agaciel afirmou, em sua defesa, que não foi encontrada ilegalidade nos atos, não tendo havido, segundo ele, dano ao interesse público. Ele diz que não há provas contra ele. Zoghbi afirma que não há prova de que tenha agido em conluio com Agaciel.
Landim argumenta que a competência para a publicação dos atos era da direção-geral. Segundo sua defesa, a acusação contra ele é “infundada e inconsistente, pois em nenhum momento houve tentativa de lesar o erário público, não havendo dolo de sua parte”.