Uma das célebres frases do sociólogo e historiador Raymundo Faoro diz que a “história do Brasil é um romance sem heróis”. Os fatos que dominaram as discussões em Manaus nos últimos dias, na imprensa, redes sociais ou grupos de discussão, remetem a essa situação. Os embates começaram com a cassação do mandato do Governador José Melo no TRE, passando pelos ataques que o Governador fez ao seu adversário Eduardo Braga, na abertura do ano legislativo, seguidos da revoada de cédulas falsas sobre sua cabeça e pela reação do Senador nas redes sociais.
Pois bem, nessa história – ou romance policial – não há heróis, mas um grupo político em luta aberta e fratricida, formado pelas elites que dominam o Estado há quase quarenta anos. Nessa disputa sobram a ganância, o desrespeito à democracia, o uso da máquina pública e acordos de gabinetes, tudo com o firme propósito de manter no poder o amigo da hora, aquele que melhor representa os interesses do “grupo”.
A sociedade amazonense não é chamada a opinar e assiste, impassível, o desfile de egos e artimanhas políticas. Aos donos do poder não interessa que crianças morram por falta de tratamento adequado no interior ou na capital; não interessa que noventa mil mães não tenham acesso a creches para deixar seus filhos; não interessa que nossos jovens estejam matando e morrendo nas periferias de Manaus; tampouco interessa o fato de apenas dez por cento do Estado possuir cobertura de saneamento básico ou trabalhadores perderem seus empregos na indústria local. A única luta que interessa é manter o poder nas mãos desse grupo político.
Por outro lado, o silêncio daqueles que se apresentam como “novas lideranças” é eloquente. Calam-se diante do sofrimento da sociedade, calam-se diante dessa guerra pelo poder e sua omissão em assumir posicionamento a favor do povo amazonense, sinaliza que o futuro não será assim, tão animador quanto tentam transparecer. A população não merece ter novas lideranças a serviço de velhas oligarquias, com um pé na modernidade e outro na velha política.
Ao contrário, a geração que almeja comandar os rumos do Amazonas tem a obrigação de restabelecer aqui uma verdadeira democracia. Para isso, será preciso ter opinião clara, posições firmes e acima de tudo, negar esse modelo político que exclui a maioria para beneficiar pequenos grupos. Assumir compromissos sociais, ambientais e econômicos verdadeiros, transparentes e republicanos. Valorizar a participação popular e adotar gestão baseada em metas e resultados. Há muito o que fazer, mas poucos parecem dispostos a seguir o caminho mais difícil, que combina independência e disposição para lutar pelos menos favorecidos.