Por Michele Oliveira, da Folhapress
MILÃO, ITÁLIA – Após 20 dias tentando combater o novo coronavírus, a Itália começa a enfrentar problemas além do superlotamento de hospitais e da falta de médicos e enfermeiros. Nas últimas horas, surgiram também dificuldades na gestão dos corpos das vítimas.
Desde que a crise foi deflagrada, em 20 de fevereiro, o país já soma 827 mortes relacionadas à covid-19. Além do maior número de corpos, que congestionam o serviço funerário de cidades pequenas, a remoção dos cadáveres que possam estar infectados tem exigido um protocolo de segurança específico.
Por causa da possibilidade de contágio, somente agentes funerários especializados podem acessar o local do óbito, munidos de roupas, equipamentos e caixão de máxima proteção. Além disso, antes de serem transferidas, as vítimas devem ser submetidas ao teste para o vírus.
Foi sob essa justificativa das autoridades sanitárias que uma mulher precisou ficar mais de 24 horas ao lado do marido morto em casa, em Borghetto Santo Spirito, na região da Ligúria, no norte do país.
Ele havia apresentados sintomas compatíveis com coronavírus nos dias anteriores e, ao passar mal, chegou a ser reanimado por socorristas antes de morrer. Eles não puderam levar o corpo, e a mulher, em regime de quarentena compulsória, não pode deixar a própria casa sem autorização e nem receber a ajuda de familiares.
“Uma situação horrível e desagradável que nem consigo definir em palavras. Surreal”, disse o prefeito Giancarlo Canepa à imprensa italiana.
O cadáver foi removido na manhã desta quarta-feira (11), mesmo sem o resultado do teste. Os agentes funerários especializados transportaram o corpo em um caixão de zinco até o hospital Luigi Sacco, de Milão, onde será realizada a autópsia.
Foi o segundo caso do tipo nos últimos dias. Em Nápoles, o professor de artes marciais Luca Franzese, que teve uma participação no seriado “Gomorra”, divulgou nas redes sociais um vídeo da irmã de 47 anos morta sobre a cama de uma casa.
“Estamos à espera, há 24 horas, do resultado do teste para coronavírus, ninguém nos informa de nada e estamos completamente abandonados”, disse ele na gravação, que viralizou no fim de semana. O resultado do exame da vítima deu positivo.
Na cidade de Alzano Lombardo, no entorno de Bérgamo, uma das províncias da Lombardia mais atingidas nos últimos dias pelo covid-19, o problema, desde domingo (8), é a quantidade de corpos à espera da cremação.
“No ano passado, nesse mesmo período, tivemos quatro óbitos. Agora, já são 22”, disse o prefeito Camillo Bertocchi ao jornal “La Stampa”. “Tenho ao menos 12 pessoas no necrotério do hospital que não posso retirar porque não tenho onde colocá-los.” A cidade tem cerca de 13 mil habitantes.
O secretário de Bem-Estar da Lombardia, Giulio Gallera, reconheceu nesta terça-feira o problema na gestão dos corpos das vítimas dos coronavírus. “Tivemos algumas situações críticas, mas estamos simplificando os procedimentos para fechar os caixões e levá-los para necrotérios e cemitérios”, afirmou.
Em mais um esforço para tentar barrar a difusão da doença, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, anunciou na noite desta quarta-feira outra medida drástica: a partir de amanhã todas as atividades comerciais não essenciais estão proibidas de funcionar em toda o país.
Só podem abrir as portas estabelecimentos ligados à venda de alimentos, farmácias e serviços postais, bancários e públicos essenciais, como transporte. Restaurantes, bares, cafés, salões de beleza e lojas não podem mais funcionar. As medidas valem até 25 de março.
O novo decreto tem a intenção de restringir ainda mais a circulação de pessoas pelas ruas. Desde terça e até 3 de abril, os deslocamentos, inclusive dentro das cidades, só são autorizados por motivo de saúde e trabalho.
Os cidadãos devem portar um formulário preenchido com a razão para terem saído de casa. Quem não tiver justificativa ou declarar informação falsa pode ser punido com até três meses de prisão. Segundo país mais afetado pelo coronavírus além da China, a Itália já contabiliza mais de 12 mil casos.