Após ouvir tantos “nãos”, inúmeros “conselhos” para não trabalhar com Artes, diversas sombrias “profecias” sobre seu futuro na profissão, aquela era uma das primeiras vezes que seu talento era reconhecido publicamente.
A exposição estava sendo elogiada pela crítica, telejornais locais exibiam entrevistas com ele, seu rosto estava nos cadernos de cultura. Pessoas o paravam para cumprimentá-lo.
Depois, esses momentos de “colheita”, de legitimação e de fama viriam a ser habituais. As capas que fez para o Craque teriam repercussão internacional, os roteiros das histórias para a Turma da Mônica seriam campeões de vendas, viriam as ilustrações de livros e outras exposições de impacto.
Aquele, entretanto, era uma ocasião especial, um evento inaugural que exigia um rito festivo. Assim, Romahs decidiu celebrar em um restaurante chique da cidade.
Pensava que deveria ser assim – uma mistura de euforia, receio e contemplação – que outras pessoas conhecidas se sentiam quando alcançavam esse lugar ambivalente, enevoado e fugidio que denominavam sucesso.
O seu irmão já deveria saber dessas coisas. Afinal, era reconhecido como herói do bairro por causa das medalhas e troféus que amealhava em incontáveis torneios de artes marciais.
Ao entrar no restaurante, Romahs foi logo reconhecido. Não exatamente do jeito que queria: foi solicitado com entusiasmo, mas para ser testemunha de façanhas que um maître relatava aos seus colegas.
“Ele sabe do que estou falando! Não é que o Dondon foi proibido de competir porque não perdia nenhuma luta? Não é verdade que ele, mesmo desarmado, botou para correr uns seis caras da galera dos Primatas?”
O garçom contou ainda outras proezas que quem estivesse perto poderia facilmente imaginar que se tratava de Bruce Lee ou Chuck Norris.
Depois de ter que confirmar umas três histórias e negar a veracidade de outras 14, Romahs, enfim, consegue escolher uma mesa. Agradeceu quando o garçom quis homenageá-lo, mandando tocar a música cujo refrão ecoava: “No tempo que Dondon jogava no Andaraí”.
Ainda estava analisando o cardápio todo escrito em francês, quando o garçom volta a lhe abordar, com cara confusa e voz de quem estava transmitindo uma mensagem ilegal:
“Você está vendo aquela madame e aquela menina ali? Elas mandaram eu te dar parabéns!? E perguntaram se você aceitaria lhes dar um autógrafo”.
Romahs convida as duas para irem até a mesa dele. Elas concordam. Já devidamente acomodadas e orgulhosas, elas tentam esclarecer a situação e desfazer o rosto de estranhamento do garçom: “Você sabe que ele é famoso, né? Você sabe quem ele é?”
“Claro que sei. Ele é o irmão do Dondon”.
Na semana passada, com a vitória sobre o Paraguai pelas Eliminatórias, o Brasil se tornou o primeiro país a se classificar para a Copa do Mundo da Rússia. Também manteve a distinção de ser a única seleção a participar de todos os mundiais de futebol.
Apesar das vantagens de herdar tão alta honraria, o atual grupo terá a responsabilidade de justificar a reputação e mostrar seu brilho próprio. Deverá demonstrar também que não foi perdida a sua linhagem vencedora e que ainda mantém a genética de campeão.
É fato que a semente está sendo plantada. Por enquanto, porém, para a história do futebol, o time liderado por Tite ainda é algo como um “irmão do Dondon”.
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