Alan Robson Alexandrino Ramos defendeu no dia de ontem (29/09/2020) a sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais (PRONAT), da Universidade Federal de Roraima. Alan é Mestre em Sociedade e Fronteiras e Especialista em Segurança Pública e Cidadania pela Universidade Federal de Roraima. Tive a honra de o acompanhar nesta especialização ministrando-lhe a disciplina de antropologia do direito.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e em Filosofia, o mais recente doutor é Delegado de Polícia Federal, tendo atuado diversos anos em Roraima. Conhece a Amazônia como ninguém, o que lhe cnfere grande autoridade para aprofundar o tema da mineração irregular nas terras indígenas desta vasta região.
Orientado pela Professora Doutora Francilene dos Santos Rodrigues, uma grande autoridade nos estudos da economia garimpeira na Amazônia, Alan Robson elaborou uma tese de excelência conclamada pela banca arguidora como um dos melhores trabalhos desenvolvidos nesta área de estudos.
Orientado por uma metodologia de estudos exploratórios, de análise de documentos institucionais e intensa pesquisa de campo, o pesquisador elabora uma detalhada cartografia social da mineração na Amazônia com exatidão milimétrica. Traça o perfil dos garimpeiros e a extensão do crime ecológico e das suas consequências humanitárias resultantes da exploração ilegal de ouro nas terras indígenas.
De acordo com o pesquisador, “a metodologia do trabalho envolveu exame bibliográfico e documental, especialmente de processos judiciais em curso na Justiça Federal de Roraima, nos quais foram analisados, qualitativa e quantitativamente, depoimentos de 519 garimpeiros entre os anos de 2010 e 2017”. Juntamente com sua orientadora, realizaram intensa observação participante para aprofundar a temática para além da abordagem da justiça, alcançando uma análise conceitual da questão da mineração irregular que é histórica na região.
O autor aponta que “a mineração em terras indígenas brasileiras possui dinâmica social, ambiental e econômica que são objeto de análise de caráter interdisciplinar”. Em seu recorte de pesquisa mapeia e analisa a exploração aurífera no Rio Uraricoera, na Terra Indígena Yanomami, localizada a noroeste do Estado de Roraima, estendendo-se para o nordeste do Estado do Amazonas na região do Alto Rio Negro, fronteira entre o Brasil e a Venezuela.
No decorrer da tese pautada nas análise dos dados, na apropriação das teorias da mineração e dos crimes ambientais com ampla literatura científica, o pesquisador descreve a dinâmica do garimpo, apontando “como se dá a extração e a destinação do ouro como mercadoria” que faz girar uma economia baseada no crime com amplas conexões e prejuízos sociais, culturais e ambientais envolvendo as etnias indígenas do Povo Yanomami que vive nesta região.
Uma parte importante da tese ocupa-se em apresentar possibilidades de cenários de sustentabilidade como “alternativas econômicas à atividade ilegal” mediante a “insustentabilidade dessa exploração” na forma que vem sendo realizada nos últimos 40 ou 50 anos. O autor identifica o aumento da exploração ilegal de ouro nas terras indígenas com o afrouxamento das fiscalizações e da atuação dos órgãos governamentais encarregados de coibir esse tipo de atividade com enormes danos ambientais e sociais.
De acordo com o pesquisador, “a análise teve como cerne a voz Yanomami e os graves prejuízos causados pela atividade ilegal aos indígenas e a sua terra-floresta, decorrente também de falha fiscalização do Estado. A atividade garimpeira gera externalidades econômicas e há divergências entre a proteção e responsabilidades inscritos na ordem jurídica brasileira e o fenômeno clandestino estudado, em violação às vozes indígenas, científicas e a imperativo ético, que coadunam na possibilidade de prejuízos e no fim do mundo e do povo Yanomami decorrente da insustentabilidade da atividade desenvolvida”.
Desta forma, a tese dá voz às lideranças Yanomami, com suas incansáveis denúncias e pedido de socorro às autoridades nacionais e internacionais. Fundamentado neste fato concreto, Alan Robson sustenta sua tese da insustentabilidade da garimpagem definida “pelos Yanomami, especialmente na voz do Xamã Davi Kopenawa” num estudo comparativo entre os “saberes indígenas que vão de encontro com a literatura científica e filosófica, especialmente em face dos males causados pelo mercúrio e ausências estatais”.
A tese problematiza de forma contundente a omissão do Estado com ações pontuais e “insuficientes para interromper a atividade lucrativa que destrói a Amazônia e seus povos e que vem culminando no fim do mundo Yanomami”. O pesquisador conclui que essa omissão/permissiva do Estado tem contribuído para o surgimento de “novas relações de poder paralegal” criando uma espécie de estado paralelo dentro de cada garimpo.
Por fim, a tese traz muitos outros elementos que contribuem para uma análise aprofundada da questão da garimpagem na Amazônia, da atuação do crime organizado na economia garimpeira ilícita e seus prejuízos ambientais que representam uma verdadeira afronta aos povos indígenas contaminados pelo mercúrio, invadidos em sua terra e privacidade, acuados pelo poder paralelo que vigora nas áreas de garimpo.
Parabéns ao mais novo doutor da UFRR e à sua orientadora pela coragem e ousadia teórica e epistêmica que trouxe à luz um tema tão complexo. Em breve a tese estará disponível para leitura no site do PRONAT e, com certeza, a publicação de seu livro chegará às nossa mãos como um verdadeiro instrumento de denúncia. A “insustentabilidade da exploração de ouro no Rio Uraricoera, Terra Indígena yanomami” nos encoraja a somar nossa voz à voz de todos os povos da Amazônia fazendo ecoar aos ouvidos do mundo “FORA GARIMPO!!”
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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