Por Jullie Pereira, da Redação
MANAUS – Antes ocupado por casebres, o Igarapé do Quarenta, na Avenida Manaus 2000, no bairro Distrito Industrial, zona sul de Manaus, sofre nova invasão. Moradores instalam comércios e serviços improvisados que vão de oficina mecânica a bares. É possível encontrar loja de roupa, venda de legumes e frutas, lava jato, lanchonete, coleta seletiva para venda de reutilizáveis, e espaços de lazer com churrasqueira.
O auxiliar de produção André dos Santos, 26, mora em uma casa improvisada no local há três anos e está se planejando para criar uma distribuidora de bebidas. “Ninguém aqui rouba, todo mundo tá tentando levantar um comércio pra ver se a gente consegue sobreviver no meio em que estamos vivendo hoje”, disse.
André tem emprego fixo e pretende continuar no mesmo ramo de produtos no negócio próprio. Ele disse que que o igarapé impõe dificuldades como as cheias, as doenças decorrentes da ausência de esgotos e a falta de estrutura. “Alaga, mas é rapidinho, vai lá e volta de novo à normalidade. Estamos tranquilos. Enquanto o governo não tirar a gente, nós vamos ficar por aqui. Até que é legal porque a gente não paga água, nem luz, é uma moradia completa né. Pra quem hoje não tem uma casa mesmo registrada, aqui tá tranquilo”, disse.
O único problema, segundo André, é quando a prefeitura passa retirando os casebres. “Só o que ‘embaça’ aqui é a prefeitura, porque quando vem, eles tiram tudo, destruindo. Quem constrói assim (os comércios), constrói por construir mesmo porque quando a prefeitura vem, ninguém para, eles derrubam”, disse.
O morador Valter Andrade, 55, que tem uma casa regulamentada próximo ao igarapé, se diz prejudicado pelas ocupações irregulares. Em época de chuva, a casa dele alaga, mesmo não estão às margens do igarapé.
Andrade disse que a invasão do igarapé pode gerar um “desastre ecológico”. ” Ninguém (em casa) dorme, fica todo mundo na expectativa se a água vai entrar ou não. Eles (ocupantes) querem um desastre ecológico. Os comércios podem beneficiar uma família, mas vai prejudicar outras dezenas de famílias ali da frente”, disse.
É possível ver entulhos e lixo no encostamento da Avenida Manaus 2000. O morador diz que carros coletores passam com frequência no local, mas o depósito de detritos é permanente.
O prefeito Arthur Virgílio Neto afirmou que deve retirar os comércios, mas não deu previsões para que isso aconteça. Ele encerra o mandato em dezembro deste ano. Virgílio Neto entregou uma quadra esportiva reformada na Avenida Manaus 2000 na última segunda-feira, 6. “A gente precisa fazer o trabalho de drenagem e ver locais para as pessoas se assentarem, mas que não sejam locais que venham uma chuva e mate a pessoa. A gente tem que ser realista, em cima de igarapé não dá, não é o lugar melhor, não é o lugar mais correto”, disse.
A Semmas (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade) informou que neste ano foram registrados 12 focos de invasão em área verde de preservação permanente em Manaus: Hileia 1, Redenção, Conjunto Vila Real, Igarapé da Ponte da Bolívia, Santa Etelvina, Nova Cidade, Conjunto Joao Paulo, União da Vitória, Cemitério dos Índios, Igarapé do Passarinho e Renato Souza Pinto.
“A Semmas trabalha mediante denúncias e faz o monitoramento constante dos focos. Em alguns casos, porém, os invasores insistem e retornam”, informou.
A Secretaria informou também que não é a responsável pela ocupação no Igarapé do Quarenta e que o local está sofrendo intervenção do estado. A reportagem consultou a UGPE (Unidade Gestora de Projetos Especiais), responsável pelo Prosamim (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus).
A UGPE informou que o governo está realizando estudo financeiro para a elaboração de um projeto que deve reassentar 6 mil pessoas, mas que não tem previsão para isso ocorrer. Segundo a UGPE, o projeto tem três fases e está na primeira, que inclui o cadastro socioambiental e físico das famílias. O projeto também inclui a retirada dos comércios irregulares.
“O Governo do Estado vem atuando em um estudo de viabilidade financeira para a elaboração de projetos nos mesmos moldes do Prosamim, a área citada no pedido de nota inclui-se no estudo. Nessa fase do estudo é previsto apenas o cadastro socioambiental e físico territorial. Na fase de estudo são mapeadas todas as formas de uso do espaço da comunidade e proposto atendimento conforme cada situação encontrada. “, informou.
Impacto ambiental
O Igarapé do Quarenta, que tem 8 quilômetros de extensão, é uma APP (Área de Preservação Permanente), área que, segundo a Lei nº12.651/12, deve ser protegida para a preservação dos recursos hídricos, paisagísticos e para a estabilidade geológica.
Carlos Durigan, geógrafo e mestre em ecologia, explica que as ocupações destes espaços são prejudiciais. “A ocupação de margens de igarapés, rios e lagos leva ao surgimento de diversos problemas, entre eles o aumento de problemas sanitários e riscos de inundações que comprometem a infraestrutura urbana e a vida das pessoas, especialmente aquelas que ocupam estas áreas. Elas ficam mais expostas, tanto aos problemas sanitários quanto aos de infraestrutura, agravados em épocas de chuvas”, afirma.
Segundo Durigan, estudos comprovam altos níveis de poluição química nas águas dos igarapés de Manaus, assim como registros frequentes de doenças geradas pela água contaminada por esgoto e lixo. Os efeitos incluem a redução na qualidade de vida das pessoas e da cidade. “O caso de Manaus é emblemático. Temos uma cidade que ignora seus igarapés e ao mesmo tempo se nutre das águas captadas no seu entorno, na calha do Rio Negro, para onde estes igarapés drenam”, diz.
Para o geógrafo, a solução passa por uma conversa clara entre as famílias que ocupam esses espaços, o poder público municipal, responsável pelo manejo do espaço urbano, e toda a sociedade.
“Em geral, vemos processos de planejamento falhos e tendenciosos atendendo a interesses específicos e jogando a resolução de problemas estruturais para o futuro, na espera que um dia se resolva por si mesmo. Para que um processo deste surta efeito real, precisa envolver a população através de processos participativos de discussão e busca de soluções”, afirmou.