Da Folhapress
BRASÍLIA – As revelações de que o novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, incluiu informações equivocadas em seu currículo geraram incertezas sobre a permanência dele à frente do MEC (Ministério da Educação).
A nomeação de Decotelli foi publicada em edição extra do Diário Oficial na quinta-feira, 25. O governo Jair Bolsonaro (sem partido) planejava uma solenidade de posse nesta terça-feira, 30, mas a realização do evento não estava confirmada até o fim da manhã desta segunda-feira, 29.
O próprio Decotelli tem mostrado a interlocutores preocupação com sua permanência e identifica perseguição da imprensa. A Folha de S.Paulo solicitou entrevista com o ministro, mas não obteve retorno.
Os desmentidos no currículo de Decotelli tiveram um efeito negativo considerável no governo, uma vez que Decotelli fora escolhido exatamente pelo seu perfil técnico. Seu nome foi uma aposta da área militar dentro do governo e, no anúncio do cargo, o próprio Bolsonaro evidenciou os títulos de Decotelli.
Integrantes mais alinhados à ala ideológica, que apoiavam o ex-ministro Abraham Weintraub, têm feito oposição à permanência dele. Decotelli já disse a interlocutores que não cumprirá funções ideológicas na pasta, embora não planeje grandes alterações na equipe do MEC.
Os problemas com o currículo criaram também um constrangimento entre integrantes do próprio grupo que patrocinou seu nome, segundo pessoas com trânsito no MEC. O argumento é de que as notícias têm potencial de ridicularizar o governo no momento de necessidade de um sinal de seriedade com a educação, após todo o desgaste com a postura ideológica de Weintraub.
A avaliação nos bastidores é de que, mesmo que seja mantido no cargo, o novo ministro chega enfraquecido à pasta, palco de disputas entre alas divergentes do governo desde o início da gestão Bolsonaro.
Constava no currículo de Decotelli um doutorado pela Universidade Nacional de Rosario, da Argentina, mas o próprio reitor da instituição, Franco Bartolacci, negou que ele tenha obtido o título, informação antecipada pela coluna Mônica Bergamo.
Há ainda sinais de plágio na sua dissertação de mestrado.
A Universidade de Wuppertal, na Alemanha, também informou que o novo ministro não possui título da instituição, ao contrário do que constava em seu currículo.
Decotelli fez parte da transição do governo no grupo, de forte presença militar, que discutia educação. Com a indicação de Ricardo Vélez Rodríguez para o comando da pasta, ele assumiu o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Deixou o cargo em agosto de 2019 depois que o governo negociou a entrega do cargo a nome indicado de partidos como DEM e PP. Rodrigo Sergio Dias seria demitido no fim de 2019 e, após gestão de funcionária de carreira, o órgão voltou para o centrão neste ano.
O professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Marcus Vinicius Rodrigues também fez parte do grupo de educação da transição de governo e presidiu o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) até março de 2019. Para Rodrigues, o tema já foi superado e Decotelli vai permanecer.
“Decotelli é um dos maiores e mais sérios professores do pais. Existem erros que seria ideal que não tivessem ocorrido, mas isso não mancha a postura e história do Decotelli”, diz Rodrigues.
“Acho que está tudo esclarecido. O Decotelli deve, para o bem do Brasil, ficar no governo. Precisamos de um gestor, negociador, e ele é um grande gestor e negociador.”
Rodrigues afirma que a posse dele vai ocorrer a depender da agenda do presidente. “Temos hoje um ministro indicado pelo presidente da República, continua ministro e está sendo definida a posse dele.”
A assessoria de imprensa do MEC disse na sexta-feira (26) que Decotelli concluiu os créditos das disciplinas necessárias para a obtenção do título de doutor na Universidade Nacional de Rosário. Ele também negou as acusações de que teria cometido plágio em sua dissertação de mestrado e afirmou que revisará o trabalho.
“Em nenhum momento a Secom confirmou o evento à imprensa e, até agora, não há previsão para essa cerimônia”, afirmou nesta segunda-feira (29) o Planalto sobre a posse do novo ministro.
Sem doutorado na Alemanha
A Universidade de Wuppertal, na Alemanha, afirmou nesta segunda-feira, 29, que o novo ministro da Educação, Carlos Decotelli, não possui nenhum título da instituição.
Também declarou que o economista permaneceu na universidade como pesquisador visitante por apenas três meses, de janeiro a março de 2016, e não dois anos, como consta no currículo publicado pelo ministro na plataforma Lattes, mantida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
De acordo com a assessoria de imprensa da universidade alemã, nesses três meses Decotelli desenvolveu pesquisa sob orientação da professora Brigitte Wolf, especialista em teoria do design com foco em metodologia, planejamento e estratégia.
Em contato com a Folha de S.Paulo, Wolf afirmou que foi procurada por Decotelli em 2014. Na ocasião, diz ela, o economista requisitou uma posição em seu departamento como pesquisador de pós-doutorado.
“Convidei-o para Wuppertal e ele chegou no início de 2016. Ele ficou por vários meses na Universidade de Wuppertal para trabalhar em seu projeto de pesquisa sob minha supervisão”, escreveu a acadêmica, hoje aposentada.
“Em seguida, ele precisou voltar para o Brasil para realizar a pesquisar empírica. Durante esse processo de investigação, ele viajou para a Universidade de Wuppertal diversas vezes para supervisão. Ele terminou sua pesquisa e a documentou”, acrescentou.
“Como qualquer outra universidade alemã, a Universidade de Wuppertal não fornece o título acadêmico de pós-doutorado. O resultado de um pós-doutorado é a pesquisa apresentada”, finalizou.
A pesquisa está publicada no site da FGV em inglês como “Pesquisa de Pós-Doutorado – Maquinário Agrícola – Design e Sustentabilidade” e datada como “Wuppertal 2017”.
Instada a responder se a Universidade de Wuppertal não checou as credenciais acadêmicas de Decotelli antes de aceitá-lo como pesquisador, Wolf declinou e pediu que esclarecimentos fossem feitos à FGV.
“Ele não era um pesquisador de pós-doutorado na nossa universidade. A Universidade de Wuppertal não pode tecer comentários sobre títulos adquiridos no Brasil”, esclareceu a assessoria de imprensa.
Na semana passada, a Universidade Nacional de Rosario, na Argentina, negou que o economista tivesse concluído o doutorado na instituição, como afirmava em seu currículo Lattes. Segundo o reitor, Franco Bartolacci, a tese apresentada por Decotelli foi rejeitada.
“Ele [Decotelli] cursou o doutorado, mas não finalizou, portanto não completou os requisitos exigidos para obter a titulação de doutor na Universidade Nacional de Rosario”, disse Bartolacci.
O reitor esclareceu ainda que a tese apresentada por Decotelli foi reprovada. “Ela foi avaliada negativamente pelo jurado constituído para tal efeito [avaliar o trabalho]”, disse.
Após a declaração, o currículo Lattes de Decotelli foi alterado para dizer que ele havia obtido créditos na universidade, sem obtenção de título.
O ministro foi acusado ainda de plagiar ao menos quatro trabalhos acadêmicos em seu mestrado, apresentado em 2008 na Fundação Getúlio Vargas do Rio, além de um relatório da Comissão de Valores Mobiliários. Ele nega as acusações e diz que revisará o trabalho.
Em nota divulgada nesta segunda, a FVG afirma que “vai apurar os fatos referentes à denúncia de plágio na dissertação do Ministro Carlos Alberto Decotelli. A FGV está localizando o professor orientador da dissertação para que ele possa prestar informações acerca do assunto”.