Embora a viciação seja coisa antiga, a dimensão atual do viciamento humano toma proporções preocupantes e impacta sobremaneira serviços públicos essenciais, especialmente nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e segurança pública.
A viciação de um quantitativo cada vez maior de pessoas impacta sobremodo os custos com programas e tratamentos de saúde pública, os quais na realidade raramente conseguem atender efetivamente a demanda conhecida e muito menos a enorme demanda reprimida. Gastos cada vez maiores tornam inviável a ampliação e a manutenção de programas e campanhas direcionadas à prevenção e tratamentos de viciados. Segundo dados da ACT (Aliança de Controle do Tabagismo), o SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro gastou, em 2011, mais de 20 bilhões no tratamento de pacientes com doenças apenas relacionadas ao cigarro, ou seja, cerca de 30% do orçamento do Ministério da Saúde para aquele ano. Esse custo acabou sendo 3,5 vezes maior do que a Receita Federal conseguiu arrecadar em tributos oriundos da atividade econômica tabaco, cigarro e seus derivados. De modo geral, a estimativa é de que para cada US$ 1,00 arrecadado com impostos do cigarro gastam-se outros US$ 3,00 em tratamento de saúde. E não estamos falando ainda do tratamento de vítimas do vício em crack, cacaína, heroína, maconha, alcoolismo etc. Os impactos do viciamento químico sobre o orçamento da saúde pública são impressionantes e espantosos. Isso sem considerar as licenças do trabalho para tratar de dependência química ou psíquica ou comportamental.
O processo de viciação humana, seja comportamental seja química, passou a impactar nocivamente a educação, fomentando muitas vezes a introdução da violência nas escolas, o conflito pelo mercado consumidor de drogas em escolas e faculdades entre grupos de tráfico ilícito, relacionamento promíscuo entre alunos e traficantes, dentre outras coisas, gerando uma onda de medo e a sensação de impotência por parte de pedagogos e professores, inclusive com queda no desempenho de estudantes e educadores. Isso torna mais caro ou até mesmo frustrar os investimentos em educação, em virtude do prejuízo e do comprometimento da qualidade do trabalho realizado no ambiente escolar. A escola, os educadores, os professores, os pedagogos, os trabalhadores administrativos da educação, alunos, pais, famílias e comunidades vem suas chances e perspectivas reduzidas em razão da atividade do tráfico ilícito de drogas químicas. Às vezes, são reféns da economia das drogas, tanto lícitas quanto ilícitas. A escola, principalmente em regiões periféricas expostas a violência, perdeu a condição de ambiente seguro e de boa influência.
O viciamento humano produz degradações e eventos danosos à qualidade do meio ambiente, considerando principalmente os impactos nefastos sobre a natureza, a economia solidária, o relacionamento ético na convivência humana, de forma especial a partir da própria coexistência familiar, e ainda sobre as pessoas bem intencionadas em geral. A dependência gera poluição e lixo de diversas espécies, seja em forma de resíduo líquido, sólido, gasoso seja na forma de lixo simbólico, a qual afeta a própria qualidade cognitiva das pessoas. Inúmeros danos ambientais são produzidos por agentes de mentalidade e conduta viciadas, incapazes de proceder de maneira correta e não corrompida. O meio ambiente natural e cultural tem sofrido acelerada perda de qualidade, em suas características originais e em suas produções artísticas, muitas das quais constituindo graves violações legais decorrentes do processo de viciação humana.
Os mais evidentes impactos nocivos do processo de viciamento humano continuam ocorrendo no campo da segurança pública, seja por meio do crescimento das atividades e negócios relacionados ao tráfico ilícito de drogas químicas seja por conta do considerável aumento da população carcerária, sobretudo envolvidos com o tráfico ou associados ao mesmo. A maior parte da atual população prisional, segundo informações judiciais e administrativas oficiais, tem como causa o envolvimento com tráfico de substâncias entorpecentes e com o viciamento humano como um grande e lucrativo negócio. Não é coisa aleatória o processo de viciamento humano e a expansão de eventos de insegurança pública, em especial o crescimento da violência e da criminalidade organizadas. E apesar dos investimentos bilionários feitos, a cada ano, em programas e forças de segurança pública, os resultados alcançados se limitam a promover a ampliação da população carcerária, o que não tem levado à queda de indicadores de criminalidade nem revertido a favor de uma sociedade mais segura. Pelo contrário, a cada ano, indicadores de violência e de criminalidade, em especial de mortes violentas intencionais, vêm aumentando consideravelmente, conforme demonstram os números do Anuário brasileiro sobre segurança pública. Chega a ser melancolicamente cômico ver a administração pública tentando combater a economia do viciamento humano e o tráfico ilícito apenas com ações de polícia, encarceramento em massa e onerosas peças de campanhas publicitárias. A gestão governamental, focada somente em ações paliativas de quatro ou oito anos, “patina”, “ensaia”, no máximo “apaga incêndio” e apenas simula supostas soluções que não alcançam efetivamente a problemática.
A viciação humana não se reduz a aspectos psíquicos e químicos, não se limita à drogadição, mas também apresenta elementos comportamentais e sociais. Há vícios de diversas ordens: vício em jogo de azar, vício em comprar compulsivamente, vício em sexo, vício em aparelhos eletrônicos e em internet, vício em corrupção, dentre outros. São amplas as espécies ou modalidades de viciamento humano. Em todas elas, há uma lógica econômica que investe no viciamento humano para produzir resultados financeiros e políticos, os quais tem sido desastrosos à convivência social e a perspectiva de qualidade de vida em sociedades complexas.
Tornar as pessoas dependentes de certos modelos políticos e econômicos viciados tem sido fundamental para assegurar a manutenção de certo status quo e de certa lógica funcional aos interesses de dominação política e exploração econômica. O viciamento reproduz certo tipo de cognição limitada, reduzido discernimento, conivente com certos processos de injustiça social, corrupção, violência e criminalidade. Por esse motivo, dentre outros, as pessoas têm sido estimuladas e influenciadas para que persistam em certos vícios, inclusive se mantendo cada vez mais viciadas em substâncias, sensações e condutas que as fazem praticar abusos de diversas ordens, produzindo variadas consequências nocivas à dignidade humana e à convivência social, impactando significativamente a rede de serviços públicos.
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