Por Natália Cancian e Danielle Brant, da Folhapress
BRASÍLIA-DF – Sem obter apoio no Congresso para votar a medida provisória que cria uma nova versão do Mais Médicos, o governo já se prepara para tentar salvar seu programa, o Médicos pelo Brasil, com um novo projeto de lei. As chances de as mudanças saírem do papel, porém, diminuem.
Lançado em agosto, o programa foi editado em medida provisória com o nome de Médicos pelo Brasil. Até então, a ideia do governo era colocar os primeiros médicos para atuar já no primeiro semestre de 2020.
O prazo para a MP ser votada, no entanto, termina na próxima quinta-feira (28). Se o texto caducar, as mudanças dependerão de um projeto de lei que não tem prazo para ser votado. Com isso, a implementação do programa no ano que vem estaria ameaçada, diz o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
“Se eles (Congresso) atrasarem deliberadamente por questões políticas e não der tempo (de votar a MP), a única coisa que vai restar é um projeto de lei. Até votar o projeto, perdemos tempo, porque ano que vem não pode fazer processo seletivo por conta do calendário eleitoral. Isso pode prejudicar muito a população”, disse à reportagem.
As regras atuais vedam a realização de concursos nos três meses que antecedem as eleições até a posse dos eleitos. Um dispositivo, porém, abre brecha para nomeação ou contratação ligadas a serviços essenciais. Aprovada no fim de setembro em comissão especial, a medida chegou a ser colocada nas últimas quatro semanas na pauta do plenário da Câmara, mas não foi votada até agora.
O presidente da casa, Rodrigo Maia, tem dito que tentará votá-la na próxima terça, 26, dia em que também haverá sessão do Congresso, o que pode atrasar o debate. Após aprovação, o Senado teria então dois dias para analisar o texto.
Mas líderes do chamado centrão e da oposição avaliaram como improvável a aprovação da MP na Câmara nesse prazo devido a divergências em relação a propostas incluídas no texto. “Infelizmente, nos moldes da MP, como ela foi construída, (nesse período) ela não passa”, afirma o líder da maioria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Entre os impasses estão mudanças nas regras de revalidação do diploma de médicos estrangeiros, com abertura para participação de faculdades privadas, e a possibilidade de que estados façam consórcios para contratar profissionais no Mais Médicos, inclusive por meio de organizações internacionais. Representantes de entidades médicas dizem que as mudanças abririam um mercado de revalidação de diplomas, sem garantia de que médicos tivessem a qualificação comprovada.
Já a criação dos consórcios indicaria uma sobrevida ao Mais Médicos e nova chance para entrada de médicos estrangeiros sem revalidação, avaliam. O grupo tem pressionado parlamentares por mudanças na proposta.
Além das divergências sobre o tema, parte do atraso é atribuído também a uma insatisfação com o governo e à demora no pagamento de projetos alvo de emendas parlamentares, conforme informou a coluna Painel.
Na tentativa de aprovar a medida, o ministro intensificou as agendas no Congresso nos últimos dias. “Estamos fazendo um apelo para os líderes dos partidos. Não há praticamente nenhuma discordância, todos apoiam, mas existe um impasse político que precisa ser superado”, diz. Questionado sobre qual seria esse impasse, o ministro evitou comentar.
Nesta quarta, deputados aprovaram urgência na tramitação de um projeto que exclui a possibilidade de abertura para faculdades privadas na revalidação do diploma estrangeiro de médicos.
No mesmo dia, também foram protocolados dois projetos que apoiam essa abertura, mas restringem a participação a faculdades mais bem avaliadas no Enade, exame com concluintes do ensino superior. Não houve, porém, sinalização de que a MP seria votada.
A líder da minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), diz que há trechos da criação do novo programa que precisam ser revistos. “Nossa posição é que a medida tem problemas, porque ela cria uma agência que pode levar à privatização da gestão da atenção primária. Por isso nós propusemos a criação de uma fundação pública”. “Também achamos que, para ter uma complementação de universidade privada para o Revalida, pelo menos tem que ter o critério de ser uma avaliação 4 ou 5 no Enade (mais altas) para não virar um mercado de diploma”.
Já o presidente da Associação Médica Brasileira, Lincoln Ferreira, diz que a medida de colocar padrões mais altos para as faculdades privadas não resolveria o problema. Para ele, a medida provisória do Médicos pelo Brasil foi descaracterizada. “A medida que deveria ser da carreira médica transformou-se em discussão de um ‘Revalida light’”, disse. “Lamentamos se vier a caducar, no sentido de perda de oportunidade de se fixar médicos nas diferentes regiões. Porém os riscos e os desacordos no interior do congresso apontam que essa medida provisória não seja votada”.