Por Mariana Carneiro e Daniel Weterman, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – Líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) afirma que o Executivo não pode ser refém nem de congressistas nem de agentes do mercado financeiro.
Ao comentar o início de tramitação dificultada do pacote fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para equilibrar as contas públicas, que enfrentou críticas de analistas e foi paralisado pelo não pagamento de emendas parlamentares, Randolfe afirma que a situação fiscal é uma herança do governo Jair Bolsonaro e que nada justifica o “mau humor” do mercado com o pacote.
“Se entregou a governança da política econômica totalmente ao mercado. E o governo não pode ficar à mercê nem de um agente nem de outro. Não é um antagonismo com o mercado, mas o governo não pode ser refém”, afirma.
AE – O sr. avalia que dá tempo de aprovar o pacote de corte de gastos em 2024?
Randolfe – Na reunião do presidente Lula com os presidentes das Casas (Câmara e Senado), a qual acompanhei, senti o entendimento e o compromisso de que essa agenda tem de ser votada porque é necessária. Creio que será possível aprovar pelo menos essas duas matérias (o projeto de lei e o projeto de lei complementar) do conjunto das medidas de contenção de gastos.
AE – Deixar a PEC para o ano que vem é um risco? Ali estão medidas como mudanças no abono salarial, Fundeb e os supersalários.
Randolfe – A missão que nos foi designada foi aprovar neste ano. É um período muito curto, mas a urgência e a emergência da situação fiscal internacional, as intempéries que vamos ter, sobretudo com a posse de Donald Trump nos Estados Unidos, nos impõem a necessidade de aprovar logo.
AE – O mercado vê o pacote como insuficiente e parlamentares reclamam de excesso de restrições, principalmente no BPC. O que fazer?
Randolfe – O governo anterior nos entregou três péssimos legados: a ameaça à democracia, a renúncia da governança orçamentária e a renúncia da condução da política econômica. A defesa da democracia e a política econômica conseguimos retomar. A condução da política econômica não pode ficar com o mercado. A recuperação da governança orçamentária tem um sentimento do Congresso de direito adquirido em relação a isso. O governo não pode ficar à mercê nem de um agente nem de outro. Não é um antagonismo com o mercado, mas o governo não pode ser refém.
AE – O sr. vê uma reação ideológica de investidores e analistas do mercado?
Randolfe – Não se justifica o mau humor externado diante dos dados que foram divulgados na mesma semana. Estamos com a menor taxa de desemprego da série histórica. Teremos dois anos seguidos de crescimento da economia a mais de 3%. Estamos com menor número de cidadãos na pobreza e na extrema pobreza. Esse ambiente não dialoga com a realidade dos números da economia e com o compromisso fiscal que esse governo tem manifestado.
AE – Houve problema com o anúncio do Imposto de Renda ter sido feito ao mesmo tempo?
Randolfe – Não há razão para se assustar com a isenção para os brasileiros que recebem até R$ 5 mil. Se esperava que o presidente da República não cumprisse uma promessa? Houve um problema de comunicação. Vazou a informação sobre a reforma da renda, mas não é uma reforma para agora. A ordem dos fatores é: primeiro o ajuste fiscal e depois, para o ano que vem, a gente discute uma reforma que será neutra, que não trará prejuízo fiscal.
AE – O governo está tendo de negociar pontos no pacote?
Randolfe – O ajuste fiscal não é agradável para ninguém. Sempre toca interesses. Eu não vi um que recebe supersalário que diga “ok, eu vou deixar de receber supersalário porque a sociedade brasileira quer”. Ou que “eu poderia me aposentar com 40 anos indo para a reserva, mas aceito 55 anos”. Tocar nisso, que é uma prerrogativa que alguns brasileiros têm e outros não, o que é característico de castas, lógico que terá reações.
AE – Há questionamentos também sobre restrições impostas à concessão de benefícios aos mais vulneráveis. Nem a bancada do PT está convencida.
Randolfe – Vamos conversar ao máximo, porque em nenhum momento estamos questionando direitos. O que se tenta corrigir em relação ao BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) são as distorções. É muito caro ao presidente Lula a manutenção dos programas sociais e ampliação de novos, como o pé-de-meia.
AE – Não constrange o governo que uma de suas principais bandeiras, que é a política do salário mínimo, seja limitada na largada?
Randolfe – Recebemos um País em que há sete anos não tinha nenhuma correção do salário mínimo e, no primeiro ano, fizemos um aumento real (acima da inflação). Mas o Estado brasileiro compreendeu que tinha de ter uma regra de gastos. Tudo tem de estar dentro dessa regra de gastos. Isso não significa que não haverá correção. E as correções, combinadas à reforma do IR no ano que vem e a isenção de até R$ 5 mil, vão representar uma conquista real do poder de compra.
AE – O governo tem votos para aprovar o pacote?
Randolfe – No Senado, estou tranquilo. Na Câmara, embora o quórum para aprovar a urgência tenha sido no limite, dá tranquilidade para aprovar a lei ordinária. PEC é outra história. No momento, pode ser que não tenha os votos, mas vamos evoluir.