Por Philippe Watanabe e Ana Carolina Amaral, da Folhapress
SÃO PAULO-SP E SALVADOR-BA – O Ibama publicou nesta quarta, 21, no Diário Oficial o edital para contratação de empresa privada para fazer o monitoramento por satélite da Amazônia. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) já realiza serviço semelhante e vem sendo publicamente criticado, sem justificativas científicas, pelo governo Jair Bolsonaro (PSL).
O objetivo do edital é que a empresa apresente alertas diários, de alta resolução espacial, de indícios de desmatamento, monitoramento com alertas semelhante ao que já é feito pelo sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Inpe.
Nos últimos meses, o Deter apontou disparada no desmatamento na Amazônia. A destruição em junho aumentou 90% e em julho, 278% – em comparação a junho e julho de 2018 respectivamente –, segundo os dados do Inpe.
A divulgação do aumento acentuado no desmate e a repercussão internacional do assunto desagradaram o presidente Bolsonaro. Em café da manhã com jornalistas estrangeiros, em 19 de julho, ao ser questionado sobre o assunto, o presidente afirmou que o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, poderia estar a “serviço de alguma ONG”.
Galvão se defendeu das acusações e também fez a defesa dos dados produzidos pelo Inpe. Em 2 de agosto, o então diretor do instituto foi exonerado por Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia. “A pretensão de aquisição de imagens de satélite de alta resolução temporal e espacial justifica-se pela busca, por parte do Ibama, de uma solução viável e operacional para atuação mais eficiente, eficaz, efetiva e com maior celeridade na gestão das ações de fiscalização ambiental no combate ao desmatamento ilegal e exploração florestal seletiva ilegal na região Amazônica”, diz o edital.
O edital procura empresas especializadas em “imageamento diário por imagens orbitais ortorretificadas de alta resolução espacial para geração de alertas diários de indícios de desmatamento (revisita diária)”.
O chamamento descreve exatamente o perfil das imagens produzidas pela empresa Planet. Segundo especialistas em monitoramento por satélite ouvidos pela reportagem, ela seria a única empresa no mercado capaz de produzir imagens diárias do mesmo local.
A distribuidora das imagens da Planet no Brasil é a consultoria Santiago e Cintra. Procurada pela reportagem, a empresa não quis se manifestar. A página da empresa na internet confirma a descrição do serviço semelhante ao que consta no edital: imagens ortorretificadas, com 3 metros de resolução espacial e revisitação diária.
O principal argumento do ministério para contratação das imagens Planet tem sido a capacidade de gerar imagens de alta resolução de 3 m². O jornal Folha de S.Paulo havia apurado que o ministro queria contratar a Santiago & Cintra, que neste ano já esteve ao menos duas vezes no ministério para tratar do assunto.
O ministro Ricardo Salles também já havia citado as imagens do sistema Planet em apresentação recente no Ministério do Meio Ambiente, quando procurou apresentar falhas no monitoramento do Inpe, o que gerou questionamento de especialistas, incluindo de Galvão, que afirmou em programa do canal GloboNews que o ministro saberia qual empresa seria contratada.
O documento também afirma que a contratação tem como objetivo permitir a atuação do Ibama no combate ao desmatamento ilegal na Amazônia “de forma preventiva ou, no mínimo, contemporânea, para que seja possível interromper a ação criminosa”. Ele também relata a necessidade de alertas diários das áreas mais críticas da Amazônia.
O sistema Deter, do Inpe, teve início em 2004, durante a gestão da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), com o mesmo propósito. Desde então, o ano com menor desmatamento registrado foi 2012, quando a redução na destruição chegou a 84%. Com a volta do crescimento do desmate, justamente naquele ano, a redução ficou na casa dos 73% em 2018. O Ibama tem acesso direto ao sistema Deter e seus alertas diários.
Especialistas costumam associar a queda no desmate ao sistema de comando e controle do Ibama, apoiado pela operação do Deter do Inpe.
Na Amazônia, a Santiago e Cintra foi contratada pelo governo do Pará para fornecer imagens de 3 m² de resolução, alertas e dados de desmatamento por meio do Centro Integrado de Monitoramento Ambiental (Cimam). O projeto foi iniciado em março de 2017 com a promessa de melhorar o combate ao desmatamento, mas o Pará continua sendo o estado mais desmata no país.