Por Rubens Valente, da Folhapress
BRASÍLIA – Em ofício enviado nesta terça-feira (12) ao Ministério Público Federal, o ouvidor do Incra, um coronel da reserva do Exército, disse que tornou sem efeito seu próprio memorando circular distribuído em fevereiro a todos os chefes do órgão no país para proibi-los de receber entidades que não possuíssem personalidade jurídica.
Na prática, a orientação do ouvidor, João Miguel Maia de Sousa, representava o rompimento do diálogo com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que não possui CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).
No memorando de fevereiro, o ouvidor do Incra também escreveu que “não deverão ser atendidos invasores de terras (estes devem ser notificados conforme a lei)”.
O anúncio do rompimento com o MST foi comemorado por bolsonaristas em redes sociais. Na campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que ações do MST deveriam ser classificadas como terrorismo.
Desde que tomou posse, os assuntos fundiários no governo Bolsonaro passaram para a área de influência de dois líderes ruralistas, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o secretário de Política Agrária, Nabhan Garcia. Em fevereiro, o Incra passou a ser comandado por um general da reserva do Exército, João Carlos de Jesus Corrêa.
O memorando do ouvidor do Incra, revelado pela Folha de S.Paulo, gerou reação da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), vinculada à Procuradoria Geral da República.
Em ofício dirigido ao Incra pela subprocuradora-geral da República Deborah Duprat e por procuradores do Grupo de Trabalho Reforma Agrária, a PFDC recomendou que o órgão cancelasse as orientações pois “adotam posição de acirramento de tensões sociais e conflitos no campo”, em contrariedade ao “papel mediador e de busca de pacificação”.
A PFDC afirmou que o memorando tinha “ilegalidades e inconstitucionalidades” ao sugerir que determinados cidadãos não fossem mais atendidos por um órgão público.
No ofício em resposta, dirigido a Duprat, o ouvidor do Incra informou que, “ciente das considerações contidas”, “tornou sem efeito” as orientações do memorando-circular. O ouvidor procurou justificar suas orientações iniciais.
“O Incra não pretendeu vedar o acesso de qualquer cidadão aos serviços prestados pelo instituto, mas entende necessário organizar o atendimento de forma a identificar o cidadão que procura presencialmente a autarquia”, disse.
Em anexo ao ofício, o ouvidor encaminhou uma portaria, datada do último dia 8 e assinada pelo presidente do Incra, o general Jesus Corrêa, que lista uma série de procedimentos para um ocupante de cargo de chefia no órgão marcar uma audiência com o público externo.
Em nenhum ponto aparece mais a recomendação sobre não receber entidades sem personalidade jurídica nem orienta que “invasores de terras” deixem de ser recebidos.