Por Camila Mattoso, da Folhapress
SÃO PAULO – Governadores disseram na noite desta segunda-feira, 11, que nada muda em seus estados nas políticas de restrição de circulação e que vão ignorar o decreto de Jair Bolsonaro (sem partido) classificando academias e salões de beleza como serviços essenciais.
Camilo Santana (PT), do Ceará, publicou em suas redes sociais que “apesar do presidente baixar decreto considerando salões de beleza, barbearias e academias de ginástica como serviços essenciais, esse ato em NADA altera o atual decreto em vigor no Ceará, e devem permanecer fechados”.
Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, disse que “nada muda até o dia 20”. E João Doria (PSDB), de São Paulo, afirmou que vai avaliar e deve anunciar sua decisão nesta terça-feira, 12.
“Continuaremos com medidas regionais, alinhando medidas locais com os Prefeitos, na proporção da taxa de contaminação”, afirmou Rui Costa (PT), governador da Bahia.
Bolsonaro disse nesta segunda-feira que incluiu entre os serviços considerados essenciais durante a pandemia do novo coronavírus as academias esportivas, salões de beleza e barbearias. A declaração foi dada pelo presidente no fim da tarde, ao chegar ao Palácio do Alvorada.
O ministro da Saúde, Nelson Teich, participava de uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto enquanto Bolsonaro fazia o anúncio e foi avisado do fato por repórteres. Ele manifestou surpresa e disse que não participou da decisão.
“Coloquei hoje, porque saúde é vida: academias, salão de beleza e cabeleireiro, também. Higiene é vida. Só três [foram definidas] hoje”, disse o presidente.
As inclusões foram publicadas pouco depois da fala do mandatário em edição extra do Diário Oficial da União. O presidente afirmou que já tem outras atividades em mente para listar como serviços essenciais, mas vai aguardar um pouco mais para anunciá-las. “Essas três categorias ajudam mais de 1 milhão de empregos”, disse Bolsonaro.
Logo após a declaração de Bolsonaro, Teich foi questionado sobre as novas atividades consideradas essenciais.
Aparentando estar surpreso e desconhecer o anúncio de Bolsonaro, ele disse que a pasta não participou das discussões que levaram à inclusão desses setores, o que é feito pelo Ministério da Economia e pelo presidente Bolsonaro. “Isso aí saiu hoje? É manicure, academia, barbearia? Não, isso aí não é. Acho que… Não passou, não é atribuição nossa. Isso é atribuição do Presidente da República”, disse o ministro.
ENTENDA A LISTA DE ATIVIDADES ESSENCIAIS
O que Bolsonaro já definiu como atividades essenciais?
Em 20 de março, o governo listou como essenciais inúmeros serviços relacionadas à saúde e outros que visavam manter o abastecimento de alimentos e remédios no país, como logística e transportes. Na ocasião, gerou polêmica a inclusão de templos religiosos e lotéricas no decreto. Depois, em 29 de abril, acrescentou ao rol de atividades aptas a funcionar o atendimento bancário e startups. Na semana passada, em novo despacho, incluiu indústrias e serviços de construção. No domingo, 10, afirmou que irá ampliar a lista.
Nesta segunda-feira, 11, Bolsonaro anunciou que vai incluir na lista academias, salões de beleza e barbearias.
Estados e municípios são obrigados a seguir o decreto do Executivo federal?
Não. O STF definiu que prefeitos e governadores têm autonomia para regulamentar a quarentena e, consequentemente, definir os serviços que podem funcionar no período de calamidade. Segundo o Supremo, os gestores locais conhecem melhor sua região e têm autonomia para definir o que funciona no local.
Como foi o julgamento do STF que tratou do tema?
Em 15 de abril, o Supremo decidiu que estados e municípios não precisam observar a medida provisória federal que submetia as decisões locais relativas à quarentena ao aval do governo federal e da Anvisa. Na ocasião, o ministro Edson Fachin sustentou que a corte deveria deixar claro no resultado do julgamento a autonomia de prefeitos e governadores para listarem as atividades essenciais em suas regiões. A maioria dos ministros acompanhou Fachin e assim ficou decidido. Os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio foram os únicos a divergir, mas não por acreditarem que a União tem a palavra final a respeito.
Eles argumentaram, apenas, que, ao declarar a competência concorrente dos entes da Federação em matérias de saúde pública, a autonomia de prefeitos e governadores nesse sentido já estava definida.
Estados e municípios têm, então, liberdade total nessa área?
Não. Os ministros do STF deixaram claro que a decisão não representa um cheque em branco aos gestores locais e que é necessário respeitar o princípio da razoabilidade. Assim pontuou o ministro Alexandre de Moraes: “A competência comum administrativa não significa que todos podem fazer tudo. Isso gera bagunça. Não é possível que a União queira ter monopólio da condução normativa da pandemia sobre estados e municípios. Isso não é razoável. Como não é possível que os municípios queiram se tornar repúblicas autônomas dentro do Brasil”.
E, se houver conflito entre decisão municipal e estadual, qual prevalece?
Em tese, predomina a norma menos abrangente. O professor Thomaz Pereira explica que, se há uma norma restritiva, o cidadão que a desobedece está sob o risco de uma penalidade. “No Judiciário duas perguntas vão ser discutidas: se a autoridade é competente e se a proibição se justifica. Na prática, se houver uma norma mais restrita, ela deve prevalecer enquanto não for suspensa pelo Judiciário. No Judiciário, a discussão vai ser em torno de se a norma está dentro da competência concorrente de estados e municípios e, se estiver, se as peculiaridades municipais justificam a regulação municipal divergente”, diz.