EDITORIAL
MANAUS – Tudo foi pensado e preparado com os mínimos detalhes e com o tempo necessário para nada dar errado. Bolsonaro mandou sua Secretaria de Comunicação Social convocar os meios de comunicação e recomendou que todos retransmitissem a live que traria uma “bomba” sobre o processo eleitoral brasileiro.
Na data e hora marcados, lá estavam dezenas de jornalistas à espera das revelações do presidente e de pessoas por ele convidadas pra desmascarar as autoridades constituídas e desmoralizar o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luis Roberto Barroso. Aos jornalistas só estava proibido fazer perguntas, que é a essência de sua atividade profissional.
Mesmo assim, o que o presidente da República vinha prometendo revelar há mais de dois anos era digno da presença dos meios de comunicação. Todos queriam saber e revelar ao Brasil as nuances que põem em xeque as eleições no Brasil. Nas palavras de Bolsonaro, a fraude eleitoral.
A bomba se mostrou uma farsa logo nas primeiras palavras do presidente e do homem que apresentaria o resultado de meses de compilação de dados e vídeos que revelariam as tais fraudes eleitorais. Bolsonaro sequer o apresentou com nome e sobrenome. Era apenas o Eduardo, analista de inteligência.
Eduardo, depois revelou-se, é um coronel da reserva do Exército atualmente lotado na Secretaria de Comunicação Social da Presidência, e o único que aceitou fazer o papelão de apresentador da “bomba”.
A tal “bomba” estava recheada de vídeos antigos da internet, muitos deles desmentidos há alguns anos. E para calçar as informações dos vídeos e dar um ar de veracidade às pífias “provas”, Bolsonaro convidou um “desenvolvedor de sistemas” de nome Jederson (o sobrenome não foi revelado), que disse simular o código fonte de uma urna eletrônica.
No vídeo, Jederson mostra um “simulador com as funções básicas de uma urna eletrônica”, nas palavras dele. O que ele apresenta, na verdade, é brincadeira de aprendiz de desenvolvedor de sistemas. Algo bem elementar na informática, que nem precisa de manipulação de código fonte, porque pode ser feito em programas populares, como o Excel. Um exemplo: a cada três votos no candidato “X”, o próximo voto no mesmo candidato é contado para o candidato “Y”.
A bomba prometida por Bolsonaro foi motivo de piada nas rodas de conversas de todo o Brasil, menos nas dos bolsonaristas fanáticos, que compartilharam fragmentos da live para exaltar o grande feito do presidente.
De fato, a bomba estourou como um estalo de salão, ou seja, não chegou a incomodar nem os convidados mais concentrados. A fraude eleitoral se mostrou, na live, uma fraude pré-eleitoral.
Metade do tempo da live foi dedicada a discurso do presidente da República contra o presidente do TSE e o ex-presidente Lula, que aparece nas pesquisas de intenção de voto como o principal adversário de Bolsonaro em 2022.
Bolsonaro tentou construir um discurso em que liga o presidente do TSE a Lula, produzindo conteúdo para as fake news que vieram a seguir. Na mente delirante de Bolsonaro, Luis Roberto Barroso e Luiz Inácio Lula da Silva fazem parte de um mesmo grupo político.
Essa estratégia, que não é nova, visa criar um ambiente social de descrédito no processo eleitoral. Bolsonaro prega que sem o “voto auditável”, Barroso se encarregará de fraudar a eleição para eleger Lula.
Ninguém faz isso sem motivo, e Bolsonaro tem um: as pesquisas de intenção de voto. Como qualquer presidente que governou o Brasil nos últimos 40 anos, Bolsonaro tem pesquisas internas que lhe revelam a verdade sobre a vontade do eleitor, apesar de ele dizer ignorar os números revelados pelo Datafolha.
Mas como Donald Trump, nos Estados Unidos, Bolsonaro não admite a derrota, e busca uma saída honrosa para 2022. Mas também como Trump, pode ter que deixar o cargo com o rabo entre as pernas. Se essa previsão se confirmar, que seja sem traumas para a sociedade.