Por Alessandra Taveira, da Redação
MANAUS – “Nós não sabemos, hoje, qual o nível da qualidade do ar da cidade”, diz a química Cristine Machado. Segundo ela, Manaus carece de parâmetros sobre a emissão gasosa por falta de investimentos, instrumentos e equipe qualificada.
Em reunião com representantes da Semmas (Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade) em outubro deste ano, Cristine Machado – que também é pesquisadora de qualidade do ar na Ufam (Universidade Federal do Amazonas) – apresentou os dados disponíveis sobre o ambiente.
“Com relação às partículas [poluentes], o nível ainda está aceitável, mas isso são dados de 2016 e 2017”. Em contrapartida, os últimos dados, levantados em 2015, identificaram níveis elevados de dióxido de nitrogênio gerado principalmente por automóveis, termelétricas e fábricas de papel.
“Essas são informações pontuais que não representam a qualidade do ar como um todo”, diz Cristine Machado. Ela explica que, apesar da visível contaminação, é necessário investigar e conhecer a realidade do ar na capital antes de tomar qualquer atitude, pois “não se sabe se temos um ar poluído ou não e qual a variabilidade disso ao longo do ano”.
Em época de poucas chuvas (agosto), quando aumenta o número de queimadas, o ar fica “mais pesado, com poeira suspensa”. É em outubro que a cidade fica coberta por fumaça – que chega a ser confundida com neblina.
Cristine alerta que é justamente nesse período que o acompanhamento do ar deve ser realizado. “Para sabermos a que tipo de poluição estamos sujeitos, se esse nível é tolerável e recomendável pela OMS”.
As resoluções e guias técnicos relativos ao monitoramento dos gases quando incorporados ao ar no Brasil são baseadas nos padrões e conceitos do Ministério do Meio Ambiente, referenciados pela Organização Mundial da Saúde.
Mesmo com o padrão nacional do Governo Federal, a pesquisadora diz que a realidade do clima na Amazônia carece de estudos mais específicos e de considerações personalizadas. “Nós temos nossos próprios níveis”. O monitoramento da qualidade do ar não é feito, inclusive, em nenhuma cidade da região Norte.
Um levantamento do Instituto de Energia e Meio Ambiente constatou que apenas dez estados e o Distrito Federal têm estações de monitoramento da qualidade do ar no país. São eles: Ceará, Pernambuco, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Neles, com frequência, a concentração de poluentes do ar ultrapassa as recomendações da OMS.
Para melhorar a qualidade do ar em Manaus, Cristine explica que, de antemão, “precisamos de instrumento, de verbas para manter o funcionamento e de uma equipe qualificada”. Isso, depois de se implementar um estudo piloto de poucos meses só para se ter uma ideia de qual é a qualidade do ar, de onde esses poluentes vêm e, futuramente, definir soluções, “caso tenhamos poluição em excesso”.
A presença de poluentes no ar é nociva ao ser humano porque partículas finas penetram em todo o sistema respiratório e podem causar doenças cancerígenas e respiratórias, como asma e bronquite. Conforme a especialista, os gases mais prejudiciais são: dióxido de enxofre, dióxido de nitrogênio, ozônio e monóxido de caborno.
“Cada um desses possui um valor máximo que é considerado aceitável. Por isso, o monitoramento tem que ser feito durante vários meses. A gente tem que pegar uma média anual para estimar sobre a qualidade do que estamos respirando”, afirma.
Conama, resolução e guia
O Ministério do Meio Ambiente prevê em lei, como mencionou Cristine Machado, parâmetros para a emissão de gases no ar. A Resolução nº 491/2018 do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) publicada no Diário Oficial da União em 19 de novembro de 2018, dispõe sobre a qualidade do ar e estabelece em uma tabela os níveis dos principais poluentes que devem ser monitorados. Essa é a atualização mais recente sobre o assunto no que concerne às políticas ambientais do ar.
A medida tomada ainda na gestão do ex-ministro Ricardo Salles, considera os Padrões Nacionais de Qualidade do Ar como parte estratégica do Pronar (Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar) – criado em 1989 para garantir o que o país se desenvolva no âmbito econômico e social de forma “ambientalmente segura”, pela limitação dos níveis de emissão de poluentes por fontes de poluição atmosférica.
Veja o texto da resolução na íntegra:
Dois anos depois de estabelecida a resolução, o governo publica, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, o Guia Técnico para Monitoramento e Avaliação da Qualidade do Ar, com 136 páginas, 10 capítulos e anexos.
O guia apresenta orientações para a implementação de mecanismos que monitorem a qualidade do ar, disserta sobre significados de resultados, ensina métodos e referencia o que já existe na área e anexa o IQAr (Índice de Qualidade do Ar).
Na publicação, o ministro escreve que “considerada a necessidade da uniformização no país do monitoramento da qualidade do ar e em atendimento à resolução, o Ministério do Meio Ambiente, em conjunto com os órgãos ambientais estaduais e distrital, elaborou o presente guia”, ou seja, o material está apto a ser implementado em todas as cidades do país.
O que dizem os órgãos ambientais
Consultada pela reportagem do ATUAL, a Semmas (Secretaria Municipal do Meio Ambiente) afirmou que não há, nem em escopo, políticas e projetos voltados para aferir a qualidade do ar em Manaus. “Não há estudos sobre isso [na secretaria], quem realiza estudos sobre o ar é a Ufam”, informou a secretaria. O posicionamento dá vazão à tese levantada pela cientista Cristine Machado.
A responsabilidade pelo monitoramento da qualidade do ar é do Estado, segundo a Semmas, “justamente por conta das queimadas”. A secretaria informou, ainda, que pretende entrar nesse debate no futuro em parceria com alguma universidade.
Em outubro deste ano, o Amazonas foi habilitado a captar pagamentos por resultados de redução de emissões provenientes do desmatamento. O aceite foi formalizado pela Comissão Nacional para REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal).
“Isso é importante para que a gente possa fazer a contabilidade e a creditação de carbono. É um passo determinante na transição para uma economia de baixo carbono a partir da floresta em pé e manejada”, disse, na época, o secretário de Estado de Meio Ambiente Eduardo Taveira.
Contribuições acadêmicas
Em 2018, pesquisadores da UEA (Universidade do Estado do Amazonas) alertavam sobre o ar da Região Metropolitana de Manaus. O professor Rodrigo Ferreira coordena o projeto que, com financiamento do estado, adquiriu uma estação de qualidade do ar instalada no prédio da Escola Superior de Tecnologia da UEA.
Toda a carga de poluição que existe em Manaus vai em direção ao interior. Manacapuru foi escolhida para ser objeto de estudo porque tem “vento abaixo” da capital. “O vento da nossa região, em uma parte do ano, flui do leste para o oeste, e em outra parte do ano vai do nordeste para o sudoeste”, disse Rodrigo.
O experimento, que durou mais de um ano, mostrou, na época, que no período de seca os níveis de poluição – de partículas de ozônio – em Manacapuru estavam bem acima dos níveis preconizados pelo Conama.
As olarias em Iranduba, segundo o professor, influenciam na piora da qualidade do ar. Ele explica que na seca, durante alguns dias, o ar nos municípios da região metropolitana “fica mais poluído que em Manaus”.
Há apenas uma estação piloto de monitoramento do ar. O grupo utiliza um Drone para coletar amostras. “A gente traz essa amostra de ar para o laboratório, analisamos e observamos o nível de concentração de orgânicos de voláteis na floresta”, disse o professor.
“A maioria dos alunos será aproveitada nos institutos de pesquisa da região. Essa é a mão de obra especializada, que é capacitada e formada aqui, gerando novos pesquisadores”, afirma.