MANAUS – Em um momento de articulação política do PCdoB para a organização das Eleições 2016, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) conversou com o AMAZONAS ATUAL na última sexta-feira, 27, no Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas. O que era pra ser uma entrevista longa, como as publicadas aos domingos, acabou sendo uma conversa rápida, entre um compromisso e outro da senadora. Ela fez um balanço da CPI do Carf, da qual é relatora e deve apresentar seu relatório nesta semana, e negou qualquer tentativa de blindagem na comissão de políticos e parentes de políticos no âmbito da comissão. A senadora também critica a imprensa, principalmente a grande mídia, pelo silêncio em relação às empresas envolvidas na sonegação fiscal, e cita a Rede Globo como exemplo desse silêncio: “Temos que estranhar a pouca publicidade que a mídia brasileira deu ao envolvimento de grandes empresas, inclusive ligadas à Rede Globo – que é a RBS”. Quando falou sobre a política local, no final da conversa, ela lembrou da participação na disputa eleitoral de 2012, quando disputou o segundo turno com o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) e disse que foi traída pelo grupo que a apoiou. Sem explicar os detalhes, pela pressa de concluir a entrevista, Vanessa Grazziotin respondeu assim quando questionada se havia se sentido traída: “Se eu me senti? Não, eu fui traída! Todo mundo sabe disso, Manaus inteira sabe disso”. Confira a entrevista concedida ao jornalista Allan Gomes.
AMAZONAS ATUAL – A CPI do Carf está chegando ao fim. Que balanço a senhora faz do seu trabalho na relatoria?
VANESSA GRAZZIOTIN – Bom, eu entreguei o relatório nesta semana e pelo regimento quando há a entrega de um relatório o procedimento é: ou aprova ou rejeita, não há como fazer emendas. Entretanto, eu achei por bem apresentar com um tempo de antecedência e solicitar que cada senador ou senadora que compõem a CPI e que tiver qualquer dúvida, discordância ou algum acréscimo a fazer, que faça até a próxima terça-feira. Na quarta, eu apresento o relatório final e na quinta ele é votado. Agora, eu achei esquisito que toda a imprensa criticou o fato de que eu não indiciei nenhum político, mas a CPI não tem a ver com política, ela tem a ver com o Conselho de Administrativo de Recursos Fazendários (Carf), que trata da relação de empresas com o Fisco brasileiro e, de fato, nós encontramos aquilo que a operação Zelotes já vem trabalhando e que não é uma coisa simples de se localizar, porque nós estamos tratando com profissionais da corrupção, muitos são advogados tributaristas, contabilistas, economistas, sabem perfeitamente como fazer as coisas. Enfim, é algo terrível, a gente reforça o fato de que o valor que deixou de ser arrecadado possa chegar a R$ 19 bilhões. Pra não ficar algo muito extenso, porque todos os anexos são acessíveis a partir do momento que estejam públicos, mas alguns casos que são simbólicos, alguns que estiveram citados [no relatório], e a gente percebeu, estudando a documentação, que não houve em alguns nenhum envolvimento de empresas, e outros que houve muito envolvimento. A Mitsubish, por exemplo, tinha uma pendência de quase 300 bilhões, e gastou com escritórios de advocacia e consultoria em torno de R$ 60 milhões e recolheu ao fisco R$ 900 mil. Mas você vai ver o dinheiro, pra onde ele vai, como é retirado, como é pago e que empresas recebem. São sociedades formadas para atuar em casos específicos, e no geral de conselheiros e ex-conselheiros do Carf. Todo um emaranhado. Acho que a imprensa se referia ao fato de que a Operação Zelotes encontrou no meio do caminho indícios de que Medidas Provisórias teriam sido manipuladas, mas isso não tem nada a ver com a CPI do Carf.
ATUAL – Só com a investigação da Zelotes?
VANESSA – Da Zelotes, não da CPI, porque quem que desenvolve a operação Zelotes? A Polícia Federal e o Ministério Público. Qual é a função desses dois entes? Investigar. Nós não, nós do parlamento temos um instrumento de investigação que é a CPI, mas o caso tem que ser concreto e objetivo, e desse objetivo nós não podemos fugir. Então veja, a própria oposição que apresentou requerimentos – muitos idênticos, que chegamos a votar três vezes – não tinha interesse em investigar, porque se tivesse interesse, dominam o regimento tanto quanto nós [governistas] –, teriam coletado, ou pelo menos tentado coletar, assinaturas com os senadores e senadoras, porque você pode ampliar o fato, contanto que você colete a mesma quantidade de assinaturas. Agora, a própria Medida Provisória 471, muito citada, não interferiu em absolutamente nada na questão do Carf. A única coisa que essa MP fez foi ampliar a lei do incentivo fiscal, como por exemplo, a PEC de ampliação da Zona Franca, porque haviam algumas pendências, outras leis posteriores vieram modificar a legislação sobre a qual havia dúvidas e as empresas estavam sendo multadas, pois deixavam de pagar tributos e por isso estavam sendo cobradas. Mas nem o Ministério Público envolveu essas outras leis, apenas essa, que não mexeu em nenhum processo do Carf. Então, é uma outra luta, não tem porquê indiciar políticos.
ATUAL – Uma crítica que se fez, a partir da imprensa, e inclusive diretamente à senhora, é que também houve blindagem para barrar a convocação, por exemplo, do filho do ex-presidente Lula. Recentemente entrevistamos o deputado Marcos Rotta, presidente da CPI do BNDES, e ele comentou que parlamentares governistas atuavam de modo a criar uma blindagem na convocação de nomes potencialmente danosos ao governo. Isso aconteceu na CPI do Carf?
VANESSA – De jeito nenhum! Houve a questão do filho do Lula, mas envolvendo outro fato que estou relatando. Nós não fizemos nenhum “acordão”, tudo que a CPI fez – mesmo porque o presidente da CPI é do PSDB, o partido mais oposicionista e que quando governou não permitiu que nenhuma CPI se instalasse -, a gente fez questão de não fazer nenhuma reunião secreta, nenhuma reunião administrativa, só com senador, inclusive a “roupa suja” foi lavada sempre pela imprensa. Então, não há porque blindar, porque não havia o que investigar. O que a Zelotes levantou, e a imprensa divulgou muito, seria o envolvimento do filho do ex-presidente Lula com uma empresa de advocacia no caso de uma Medida Provisória, que eu repito, não tinha nada a ver com o Carf, então porque que nós iríamos ouvi-lo se não tem nada a ver com o assunto? E se alguém quisesse introduzir esse assunto, visto que se tratava de uma lei tributária, porque que não colheram assinaturas? Isso é demagogia. Agora, eu coloquei com muita ênfase, que nós temos que estranhar a pouca publicidade que a mídia brasileira deu ao envolvimento de grandes empresas, inclusive ligadas à Rede Globo – que é a RBS [filiada da Rede Globo no Rio Grande do Sul]. Está lá o caso, e é muito grave, e aí sim, esse caso envolve um sobrinho de um ex-deputado que é conselheiro do Tribunal de Contas, o ministro Augusto Nardes. Então, não é a imprensa que tem que estranhar, nós que temos que estranhar. Por isso somos muito contundentes no relatório, a Zelotes tem que continuar, e se quiser abrir novas frentes de investigação, ótimo. É a obrigação deles, a função deles, mas que não abandonem esta frente, a de investigar as empresas e esses bilhões de reais que deixam de ir para os cofres públicos por parte das empresas.
ATUAL – Nos últimos meses, a pauta feminista tem surgido com força no debate público. Mobilizações contundentes nas redes sociais, capas de revista… A senhora acha que isso terá reflexos na política institucional?
VANESSA – Sem dúvida nenhuma! De fato, vem crescendo muito esse movimento, e crescendo do ponto de vista positivo. Primeiro que é pelo reconhecimento da necessidade de fortalecermos a luta pela emancipação da mulher, em todos os aspectos. Eu estou na procuradoria da mulher há dois anos, e temos um material muito interessante sobre o histórico da mulher na política. É desastrosa nossa situação, aqui no Brasil, perante o mundo. Somos a maioria da população, temos o maior nível de escolaridade, e somos a maioria do eleitorado, mas só ocupamos 10% das vagas no parlamento. Ganhamos 30% a menos de salário, fomos obrigados a mudar o Código Penal para incluir a tipificação de feminicídio. Então, nós temos um movimento forte para a criação de cotas no parlamento. A gente está com dois mapas, para realizar uma campanha, o primeiro mostra o Brasil entre os últimos colocados, que é o mapa político, referente à participação das mulheres, o empoderamento feminino; no outro, somos líderes, e somos os primeiro. E vamos mostrar o porquê de uma ligação entre eles. Se a mulher não é empoderada, se os espaços de poder não são ocupados pelas mulheres, é sinal de que a sociedade ainda as trata como um ser inferior, submisso, e isso faz com que a violência aumente. Eu fico muito feliz de ver que essa luta cresce, e sobretudo na juventude. As meninas começam a ser criadas já lutando contra isso.
ATUAL – Ao mesmo tempo em que temos esses movimentos, vemos um avanço conservador, em projetos de lei como o 5069 [torna crime induzir ou auxiliar uma gestante a abortar – projeto de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ)]
VANESSA – Sim, é terrível porque é um projeto que retrocede não apenas em relação ao direito das mulheres, mas aos profissionais da área de saúde. É muito ruim, mas a gente já percebeu qual será o destino desse projeto de lei. Dificilmente ele será aprovado, porque houve um movimento que se contrapõe, progressista, porque luta por igualdade, por respeito na sociedade e a gente precisa disso agora.
ATUAL – Como o PC do B está se organizando para o pleito de 2016 na capital e no interior?
VANESSA – A nossa forma é reforçando a orientação partidária. Agora mesmo estamos na reunião preparatória para amanhã [no último sábado, 28], na nossa conferência. Essa é a forma que estamos levando nosso partido para o embate político, porque uma eleição é um embate político. Principalmente agora que parece que o ano de 2015 está acabando sem sequer ter começado. Por quê? Porque parece que a gente está vivendo um terceiro turno eleitoral. Eu que estou lá, no meio da “jaula” [ambiente político de Brasília], eu percebo, a oposição não está preocupada com o Brasil. Eles não estão preocupados com o país sair da crise, eles querem derrubar a presidente, e também não estão preocupados com a corrupção, esse discurso é oportunista.
ATUAL – Existe a possibilidade do PCdoB lançar candidato próprio para prefeito de Manaus?
VANESSA – Tem. Nós temos quatro pré-candidaturas.
ATUAL – Quais seriam?
VANESSA – O Yann [Evanovick], o Eron [Bezerra, ex-deputado estadual e ex-titular da Sepror], a [deputada estadual] Alessandra [Campelo] e eu.
ATUAL – A senhora também se vê como pré-candidata?
VANESSA – Bom, meu nome tá lá. Eu jamais vou dizer [não conclui]. Desde o que aconteceu comigo na última eleição para a prefeitura, que não havia nem possibilidade, mas acabei sendo eu a candidata do grupo. Aliás! Depois, com o tempo, percebi o porquê que fui candidata. É aquela candidata que tinha todos os apoios, mas não tinha apoio nenhum.
ATUAL – Foi traumática a experiência da eleição de 2012?
VANESSA – Um dia vou falar abertamente sobre tudo o que aconteceu. Traumático não, foi educativo, eu amadureci muito com aquela eleição.
ATUAL – A senhora se sentiu traída?
VANESSA – Se eu me senti? Não, eu fui traída! Todo mundo sabe disso, Manaus inteira sabe disso. Mas eu acho que foi bom, porque a vida púbica é isso, você cresce muito com as adversidades. Eu, desde o começo, achava que não era o meu perfil a candidatura, mas hoje eu percebo que qualquer candidato do nosso grupo teria o mesmo destino que eu, poderia ser mais fraco, ou mais forte, mas o destino seria o mesmo. Por que ali havia toda uma armação para a oposição vencer as eleições, de grande parte de um grupo que estava do nosso lado e a gente percebeu depois o porquê.