Do Estadão Conteúdo
SÃO PAULO – Embora seja um filme de época – uma versão intimista, desmistificadora, da chamada “maior história de todos os tempos” -, a Maria Madalena de Garth Davis, magnificamente interpretada por Rooney Mara, não poderia ser mais contemporânea na sua angústia, e insatisfação. De acordo com a tradição judaica de seu tempo, o irmão mais velho, que substitui o velho pai, estabelece que ela deverá se casar e encher de filhos um viúvo. Tal é o papel que a tradição lhe atribui, mas Maria Madalena não quer isso – não aceita. É o que basta para ser considerada endemoniada.
O tratamento de choque não resolve o caso, e Maria Madalena torna-se inconveniente. Uma vergonha para a família. Outro irmão pede licença para chamar o “rabino”. Ele entra no aposento. Ao espectador, é dado ver sua sandália, ouvir sua voz. “Não existe demônio nesse corpo.” E não existe mesmo. A insatisfação de Maria Madalena é de outra ordem. A simples voz desse homem, sua calma, terão um efeito apaziguador para os tormentos da mulher. Ela vai abandonar a família, os seus. Vai segui-lo pelas estradas poeirentas da Judeia. Formará parte de seus apóstolos, mas, como mulher, será malvista dentro do próprio grupo.
Muita gente há de estranhar, discordar. Afinal, o ano passado foi, para todos os efeitos, no Oscar, o de La La Land e Moonlight – Sob a Luz do Luar. Tinham suas qualidades, mas o melhor filme daquela seleção era outro, o Lion de Garth Davis. Um ano depois, ei-lo de volta, e dando a sua particular interpretação sobre a Paixão de Cristo. Os incidentes são todos aqueles que o cinema já mostrou antes, e o espectador conhece. Mas, então, por que tudo parece tão diferente? É o filtro da história. O olhar de Maria Madalena. Quando encontra Maria, a mãe do filho de Deus entende tudo, rapidamente. “Você o ama”, diz. “Deve-se preparar para perdê-lo.” É uma experiência e tanto entregar-se a essas imagens, à intensidade dessas emoções. O Evangelho, de novo, mas, agora, da mulher.
‘Não é meu papel ensinar alguma coisa’
Entrevista com Joaquin Phoenix, ator.
O filme contrapõe a visão de que uma revolução vai trazer à Terra o reino do céu e a de que o reino do céu está em cada um. Acredita em qual versão?
Na última. Muitas vezes, nas práticas religiosas ou espirituais, colocamos o esforço no lugar errado. O que vai acontecer no futuro, a ideia de ir para o céu ou encontrar iluminação. Vou me retirar por 5 anos, meditar e só depois serei iluminado. A verdade é que a cada momento de cada dia se tem a oportunidade. Ser iluminado é estar disposto a trabalhar na sua vida e tentar ser a pessoa mais amável e atenciosa possível. Não se trata de ficar zen e daí você consegue flutuar.
Como ator, você é capaz de atingir milhões de pessoas. É algo poderoso poder compartilhar esperança com o mundo. O que pensa disso?
Às vezes, quero dizer algo para as pessoas, mas outras é apenas uma jornada pessoal para mim. Eu não gosto muito dos filmes que ficam pregando sua mensagem. Normalmente, sigo minha inspiração e escolho algo que me emociona, esperando que outras pessoas também sejam afetadas. Mas não estou na posição de dizer a ninguém como viver sua vida. Não é meu papel ensinar nada. Mas tenho essas experiências, coisas que me interessam, e espero que elas inspirem outros a ver de maneira diferente algo que achavam saber ou conhecer.
Então, não tem a intenção de ser um profeta como aquele que interpreta no filme?
Pô, claro que não! (brinca, fingindo benzer).