EDITORIAL
MANAUS – Pesquisa Datafolha divulgada no sábado (4) revelou que o espectro ideológico de esquerda cresceu no intervalo de 5 anos e atingiu 49% da população, ante 34% que se identifica no espectro de direita, reduzido nesse período. A pesquisa motivou polêmica nas redes sociais, principalmente entre o eleitorado de Lula e Bolsonaro, que polarizam a eleição presidencial deste ano.
Os comentários, no entanto, apontam a ignorância dos “militantes” sobre o tema. A primeira reação é a de não aceitar o resultado da pesquisa; a segunda, de defender seu candidato e não discutir o significado da sondagem.
A discussão sobre esquerda e direita não é nova, mas ganhou contornos novos no Brasil depois do movimento iniciado em 2015 e que resultou no golpe que tirou a presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, em 2016.
Um dos contornos novos é o discurso da direita que tenta passar a ideia de que o poder no Brasil esteve historicamente sob o julgo da esquerda. Se considerada a história do Brasil desde a invasão portuguesa, em 1500, o país sempre esteve sob o comando da direita, até o início do Século 20.
E se se considerar os governos de esquerda, do ponto de vista da economia, nenhum levou a cabo a ideologia da esquerda, nem mesmo o PT de Lula e Dilma Rousseff. Ambos os governantes mantiveram as práticas econômicas combatidas pelo pensamento de esquerda ou pelo socialismo contemporâneo.
A ideia de socialismo contemporâneo é uma interpretação do pensamento de Norberto Bobbio, filósofo e historiador italiano, segundo o qual “a esquerda de hoje não é mais a de ontem”. Ele explica assim essa assertiva:
“Enquanto existirem homens cujo empenho político seja movido por um profundo sentimento de insatisfação e de sofrimento perante as iniquidades das sociedades contemporâneas – hoje talvez menos ofensivas do que em épocas passadas, mas bem mais visíveis –, eles carregarão consigo os ideais que há mais de um século têm designado todas as esquerdas da história” (do livro “Direita e esquerda, razões e significados de uma distinção política”, Unesp, 2001, pag. 41)
Bobbio confirma que esquerda e direita são movimentos antagônicos antigos, com mais de dois séculos de história, e reafirma que são como óleo e água, ou seja, não se misturam, mas estão vivos e muito vivos nas sociedades do Século 21.
É falsa a ideia difundida à exaustão de o fim do século pássado e início deste século do fim das ideologias e da perda de significado dos substantivos esquerda e direita. O próprio movimento que surge no Brasil na década passada demonstra tal falsidade.
Mas é falsa também a ideia difundida pela direita de que o movimento de esquerda esteja preso ao movimento revolucionário do início do século passado na antiga União Soviética. A História não apaga o que foi o stalinismo e as atrocidades que o regime totalitário produziu, mas também não deixa dúvidas a quem busca informação sobre aquele período que nem de longe ele representou os ideais da revolução socialista idealizada por Karl Marx.
Os movimentos tanto de esquerda quanto de direita se renovam constantemente e buscam retornar ao eixo quando dele são desprendidos. Exemplos são os partidos que gravitam em ambos os campos ideológicos: alguns mais moderados, outros mais radicais, tentam encontrar seus espaços nas sociedades democráticas.
Tão diferente dos regimes totalitários, os regimes democráticos toleram todos as ideologias e garantem espaços para todos os tipos de pensamento que se comportem de acordo com as normas estabelecidas democraticamente.
É essa tolerância a responsável pela renovação dos governos centrais todas as sociedades democráticas, às vezes mais à esquerda, como se observa neste momento na América Latina, às vezes mais à direita, como ocorreu recentemente no mesmo continente.
Voltado à pesquisa Datafolha, alguns comentários nas redes sociais tratam de demonizar a esquerda ou de tentar negar sua existência ou crescimento. Só quem acordou agora consegue ter uma visão embaçada da realidade.
Foi a esquerda quem despertou no Brasil o movimento de direita – há muito adormecido – exatamente depois de assumir o poder central. O que também é uma prova de que as ideologias estão mais vivas do que nunca e de que os ideais tanto de esquerda quanto de direita não foram aniquilados no curso da História.
O que falta à maioria dos que se arvoram a apresentar opinião é um mergulho na História e na realidade. E isso se faz com dedicação ao estudo dos problema sociais, da política e da economia.
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