Em fevereiro de 2017 foi apresentada, aprovada e indicada para publicação da Tese de Doutorado intitulada Nossa terra em outras terras: os descendentes de eslavos na Zona da Mata rondoniense, de autoria da professora doutora Jania Maria de Paula no Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Sob a orientação do Professor Doutor Antonio Carlos Witikoski, a tese representa uma importante contribuição para os estudos migratórios na Amazônia.
Trata-se de um objeto de estudo muito complexo uma vez que lida com múltiplas trajetórias migratórias dos migrantes eslavos na Amazônia. É um estudo denso não só pela imensa quantidade de informações e aprofundamentos apresentados pela autora, mas, principalmente, pela densidade de conteúdo que mistura a própria condição migratória da autora que descreve a migração eslava com uma propriedade e uma profundidade de grande relevância para os estudos migratórios. Além disso, é um estudo inédito na Amazônia.
No uso da sua formação na área da geografia, a autora apresenta os processos de desterritorialização e reterritorialização dos eslavos num traçado preciso das suas mais diversas trajetórias migratórias em mais de um século de travessias. A autora trabalha com as memórias dos migrantes utilizando-se de uma metodologia pautada nas narrativas que conseguem remontar as rotas da migração que passou por “navios, carroções e paus-de-arara” numa interminável saga de um grupo de migrantes que atravessou o Atlântico e continuou cruzando as fronteiras internas de sul a norte do Brasil em busca de terra e melhores condições de vida.
As pesquisas destacam os processos a fixação dos imigrantes eslavos no Paraná enfatizando o Sul como lugar de reminiscências a partir das memórias narradas e dos processos de desreterritorialização. Num segundo processo migratório as famílias eslavas rumam para a Amazônia decretada na década de 1970 como “mito do vazio demográfico. Desta forma, os migrantes eslavos percorrem mais uma etapa migratória e passam a somar com os processos contínuos de ocupação da região passando por uma dinâmica de (re)construção da territorialidade na Zona da Mata Rondoniense, oferecendo uma ampla abordagem dos processos históricos dos diversos fluxos migratórios na Amazônia.
A autora também enfatiza as estratégias de reconstrução da identidade migratória, a com a manutenção da língua, mesmo passados mais de cem anos da saída do território eslavo. Identifica que ainda existe eslavicidade na zona da mata rondoniense em novos processos de construção da identidade eslava longe do país de origem. A autora identifica que uma reclamação constante dos migrantes nesta pesquisa é “ausência da Igreja Eslava e as transformações da identidade étnica” relacionadas com fragilidade das práticas religiosas mediadas pela instituição.
Pautada em extensa pesquisa de campo, aponta as lacunas do atendimento religioso aos migrantes de culto eslavo e, ao mesmo tempo, os limites enfrentados pela Igreja Católica da região da Zona da Mata Rondoniense no sentido de diálogo inter-religioso e respeito pelas especificidades do culto eslavo mantidos pela Igreja Ucraniana no Brasil, onde as “expressões de fé foram construídas associadas diretamente a noção de etnicidade junto aos descendentes de imigrantes eslavos, observados, de maneira especial, “no interior das comunidades étnicas formadas no sul do país”.
As diversas estratégias de luta pela terra são apresentadas no decorrer do estudo. A questão agrária é colocada na pauta das migrações e se converte numa “condição de manutenção do modo de vida camponês” daqueles migrantes que passaram por experiências anteriores de processos contínuos de “expropriação da terra, migração e colonização”.
Na Zona da Mata Rondoniense os migrantes se deparam com a “Política de Colonização do INCRA”, num contexto de intensos conflitos socioambientais resultantes dos processos neocolonizatórios impostos à região de forma arbitrária durante o governo da ditadura militar. Nesta conjuntura vai sendo gestado o “campesinato na Zona da Mata Rondoniense” movido pelo “sonho da terra”. É neste contexto que a autora apresenta “o camponês descendente de eslavo” caracterizado por “resistências e adaptações”.
A autora apresenta um recorte teórico muito especial no final deste capítulo para tratar a condição das mulheres migrantes com destaque para a “camponesa descendente de eslava”, tecendo uma análise profunda na perspectiva dos estudos de gênero e do feminismo. Identifica o lugar das mulheres no campesinato e confere-lhes importante protagonismo étnico-cultural reconhecendo seu papel fundamental na “organização da propriedade rural” nos processos de produção vinculados à agricultura familiar e à agroecologia, a organização social e política das redes, dos sindicatos e das associações camponesas.
Estas e muitas outras abordagens encontram-se no prelo para publicação imediata. Enquanto o livro não chega às livrarias, a tese encontra-se à disposição para leitura na biblioteca digital da Ufam. Sua leitura contribui para ampliar o conhecimento da realidade migratória da Amazônia e, de maneira especial, da Zona da Mata Rondoniense. Asseguro que a publicação deste livro nos oferece uma leitura repleta de descobertas, inquietações e estímulos para futuras pesquisas e discussões.
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