Por Feifiane Ramos, do ATUAL
MANAUS — O município de Apuí (a 453 quilômetros de Manaus) está há 75 dias sem chuva, conforme registro do Cemaden (Centro Nacional de Desastres Naturais) até o dia 22 de setembro. Além de Apuí, outras 11 cidades no Amazonas estão com escassez de chuva.
As cidades estão localizadas na região Sul do estado. O tempo mínimo sem chuva é de um mês. Essa região é onde ocorre o maior número de queimadas, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Em Apuí, com 20.647 mil habitantes, o cenário ambiental é considerado “desastroso” pelo Cemaden. É que a falta de chuva gera concentração de fumaça dos incêndios florestais. Manicoré, Ipixuna e Pauini registram 36 dias sem chuva, enquanto Tapauá acumula 37 dias. Eirunepé e Humaitá enfrentam 38 dias de estiagem. Novo Aripuanã está há 41 dias e Itamarati, há 42 dias sem saber o que é chuva.
Boca do Acre e Canutama não registram chuvas há 44 e 50 dias, respectivamente. Lábrea é o segundo município com mais tempo sem chuvas, com 54 dias.
A meteorologista Andrea Ramos, do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), explicou ao ATUAL que na Região Norte existem duas estações. “Os meses de junho, julho, agosto e setembro são realmente os mais secos, quando a gente olha em termos de climatologia”, disse.
Efeitos do El Niño
Andrea Ramos afirma que a estiagem deste ano ainda é consequência do fenômeno El Niño, presente desde julho do ano passado até julho deste ano na região. “Ano passado tivemos um El Niño clássico, ele ainda nem foi considerado um super El Niño, ele tem intensidade forte”, destacou.
“E os efeitos são justamente a estiagem, a diminuição de chuvas na Região Norte, no Nordeste e o aumento de chuvas na Região Sul. Então ele influencia nesse sentido porque já começou a ter essa tendência de diminuição de chuvas no Norte como um todo, atuando principalmente ali no sul do Amazonas”, complementou Andrea.
A especialista relatou que o El Niño também influencia o sul do Pará, Rondônia e Tocantins, com pico em novembro, dezembro e janeiro, e que a partir de janeiro ele começou a diminuir a intensidade, mas ainda manteve a influência.
O El Niño é um fenômeno climático que ocorre quando as águas do Oceano Pacífico Equatorial aquecem acima do normal. Esse aquecimento é observado principalmente na região centro-sul do oceano, perto da costa do Peru. As massas de ar quente se deslocam para o Brasil afetando o ciclo de chuvas.
Tradicionalmente, o verão no Brasil ocorre chuvas intensas, especialmente entre janeiro e fevereiro. Embora o verão termine em março, ainda há chuvas em abril e até a primeira quinzena de maio. Contudo, a partir de maio, as chuvas começam a diminuir sinalizando a entrada na estação do inverno, caracterizada pela estiagem.
Andrea explica que durante esse período, um anticiclone se forma em altitudes altas trazendo ar quente e afetando o clima nas regiões Centro-Oeste e Sudeste. Quando o fenômeno do El Niño está presente, ele amplifica essa tendência de redução das chuvas, fazendo com que frentes frias atinjam mais a região Sul e partes do Sudeste e Centro-Oeste.
No entanto, este ano o anticiclone começou a atuar mais cedo, em abril, resultando na diminuição das chuvas antes do esperado. Assim, desde 2023 o Amazonas registra redução na precipitação relacionada aos efeitos do El Niño.
O geógrafo Marcos Castro, professor do Departamento de Geografia da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), acrescenta que não há uma “regra para definir” em quais municípios vão chover menos, mas que em determinadas áreas ocorre menor formação de nuvens.
“O certo é que a região como um todo está passando por um processo em que a quantidade de chuvas é menor neste período. Isso tende a mudar a partir do mês de novembro, quando começa naturalmente o período das chuvas. Entretanto, pode ser que esse período chuvoso de novembro até março, por exemplo, não seja tão predominante como em outros anos”, disse.
Queimadas
Apuí é um dos municípios do estado com os maiores índices de queimadas. Andrea Ramos afirma que esse cenário de estiagem favorece as queimadas. “Com as chuvas abaixo da média por meses, a biomassa, como folhas secas, se acumula favorecendo a propagação do fogo”, diz. A especialista cita que a fumaça gerada pelos incêndios é transportada por ventos para áreas que não estavam enfrentando queimadas, intensificando o problema. “Então, foi tudo um reflexo, essa questão de estiagem prolongada, aumento das temperaturas, baixa umidade”.
Andrea diz que esse ambiente é verificado em Manaus, que normalmente apresenta umidade acima de 50%, mas que recentemente ficou crítica com índices abaixo de 45%. “Além disso, a capital amazonense está há dias sendo coberta por densas nuvens de fumaça proveniente dos incêndios”.
A especialista alerta que, “uma vez que essa pluma ou essa fumaça atinja vários níveis da atmosfera, há o transporte desse poluente para as outras áreas, como nós observamos”. “Regiões que não estavam com queimadas estão recebendo fumaça justamente transportada pelo vento”.
Marcos Castro lembra que as queimadas afetam a qualidade do ar e reduzem a vegetação, aumentando a quantidade de carbono na atmosfera, o que é extremamente danoso. Ele enfatiza que a remoção da floresta não apenas compromete a qualidade de vida, mas também impede a regeneração da Amazônia, um processo que leva milhões de anos.
“Queimadas levam a diminuição da floresta, diminuição da evapotranspiração, diminuição da quantidade de condensação de nuvens e, consecutivamente, diminuição da quantidade de chuvas, gerando estiagens cada vez mais longas e problemas de forma geral”, observou.
Consequências
Para Marcos Castro, a vegetação mais seca torna a região mais propensa ao aumento das queimadas e focos de incêndios, “que predominantemente ocorre por ação humana”.
“Ela se torna muito propícia para qualquer foco de incêndio se alastrar de forma descomunal. A questão do fogo afeta a biodiversidade no sentido de que muitas espécies ficam ameaçadas, muitos animais morrem e outros ficam ameaçados nesse processo. Há também a questão dos peixes, por exemplo, lagos que represam, secam, e eles ficam presos e morrem, ou então as águas ficam desoxigenadas e os peixes morrem”, disse.
O geógrafo relatou que a estiagem também pode afetar a agricultura e causar problemas relacionados ao isolamento ou semisolamento de muitas áreas, cidades e comunidades. Isso gera, por exemplo, retenção no escoamento de produção, dificultando a chegada de barcos e aumentando o risco de desabastecimento.
“Isso gera processo de desabastecimento e o processo de encarecimento dos produtos, porque o transporte fica mais prolongado, você tem um gasto maior com o transporte, isso repercute no preço final dos produtos”, afirma.
Extremos
Andrea acrescentou que “estamos vivendo o ‘novo agora’, pois as altas temperaturas registradas na maior parte do país “não significam que não vai ter chuva”. A chuva vem, mas em forma de pancadas, caracterizadas por forte intensidade, rapidez, vento, trovoadas e até possibilidade de granizo.
“Porque quando você tem calor e umidade, você tem a formação de umas nuvens, que a gente chama de cumulonimbus. Essas nuvens têm aquele desenvolvimento tanto na vertical como horizontal, em torno de 14 quilômetros”, explicou.
Ela citou que esses acontecimentos são extremos: “A gente está nessa fase realmente dos extremos que estão cada vez mais se tornando comuns. É o ‘novo agora’, como se diz, é o ‘normal agora’ que está acontecendo”.
Andrea Ramos disse que a OMM (Organização Meteorológica Mundial) disponibiliza um relatório intitulado “Status do Clima” que aborda o aumento gradual da temperatura global e a intensificação de eventos climáticos extremos.
Segundo a especialista, a temperatura do planeta está aumentando ano após ano, principalmente devido à emissão de gases de efeito estufa. Eventos como incêndios, ondas de calor, ondas de frio e chuvas intensas estão se tornando mais frequentes e severos. “A gente nem está mais em mudança, a gente está em emergência climática”, concluiu.
Os 62 municípios estão em situação de emergência devido à seca que atinge todo o estado.