Da Redação
MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos e representantes de 53 entidades da sociedade civil estranham que, ao contrário das autoridades federais, deputados e órgãos estaduais de investigação “estão em silêncio” e “não questionam a ação da Polícia Militar nas operações na região do Rio Abacaxis”, em Nova Olinda do Norte (a 130 quilômetros de Manaus). Em nota, as organizações denunciam abusos contra ribeirinhos e índios na região.
Um grupo de policiais militares foi enviado ao município após a morte do sargento Manoel Wagner Silva Souza e do cabo Márcio Carlos de Souza em confronto com traficantes, justificou a SSP-AM (Secretaria de Segurança Pública do Amazonas). Segundo o MPF, o secretário-executivo do Estado Saulo Moysés Rezende Costa foi pivô de conflito que resultou na morte dos policiais.
Na nota divulgada nesta quarta-feira, 9, as entidades afirmam que não se percebe interesse por parte das autoridades estaduais para apurar as denúncias de abuso policial contra moradores da região.
“São muito animadoras as notícias de que as investigações estão em andamento e que há um empenho das autoridades federais na apuração de crimes ali cometidos. Não se percebe o mesmo empenho por parte das autoridades estaduais (governador, Corregedoria da PM, Comissão de Segurança Pública e Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Assuntos Indígenas e Legislação Participativa ALE-AM) no âmbito de suas devidas competências”, diz a nota.
Para Francisco Loebens, representante do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), o silêncio das autoridades reforça a ideia de que esse tipo de ação policial é comum no estado. “O que chama mais a atenção em relação a isso é que não é uma ação isolada de policiais que estiveram lá. Até o momento qual a manifestação das autoridades responsáveis em relação a essa ação? Quer dizer, tudo indica que é uma ação institucional, que é uma prática institucional da polícia”, disse.
Segundo Loebens, a impressão é de que as autoridades estão “acobertando informações”. “Existem evidentemente policiais dedicados, envolvidos na sua atribuição de segurança. Mas aqui está sendo comprometida a instituição da Polícia Militar. As autoridades até agora sequer deram uma satisfação a respeito. Quer dizer, o que a gente sente é que estão acobertando essa violência que aconteceu naquela região”, afirmou.
As entidades criticam o “silêncio” em torno do caso. “Há um silêncio estrondoso que sequer questiona a ação da PM e o posicionamento da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas nesse episódio sangrento”.
Para Loebens, outro ponto que chama a atenção é a operação para combater o tráfico de drogas na região apenas agora quando o problema se estende há anos. “Outra coisa que chama a atenção é porque que agora a Polícia Militar fez essa ação né? A questão do tráfico lá é questão de anos, tenho conhecimento dessa história há mais de dez anos do tráfico presente lá. Quer dizer, foi por causa do secretário do Estado que foi lá na época de pandemia para a prática de pesca esportiva ilegal e teve um conflito com os ribeirinhos e indígenas daquela região?”, questiona.
De acordo com o documento, a informação de que os órgãos de segurança, Polícia Federal e Força Nacional de Segurança, têm prazo limitado para permanecer em Nova Olinda deixa comunidades tradicionais e indígenas apreendidos.
As entidades pedem rapidez nas investigações e o imediato afastamento do Comando da PM e da SSP para apuração das denúncias. “Exigimos a devida proteção das comunidades e testemunhas bem como o imediato afastamento do Comando da Polícia Militar e da Secretaria de Segurança Pública para garantir a plena apuração dos crimes cometidos pela PM do Amazonas no Rio Abacaxis”.
Outro lado
Consultado, o secretário de Segurança Ppública Louismar Bonates afirma que a Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança acompanhou a operação em Nova Olinda do Norte e instaurou procedimentos criminais e administrativos para apurar denúncias, ouvindo familiares de pessoas desaparecidas e de pessoas que morreram, além das supostas vítimas de tortura. Os procedimentos estão em curso.
Segundo Bonates, sobre as mortes na região, em todos os casos foram abertos inquéritos policiais e que nenhuma hipótese é descartada, mas há suspeitas de que os crimes sejam praticados pelo bando criminoso local, liderado pelo cidadão identificado como Valdelice Dias da Silva, vulgo “Bacurau”, foragido da justiça e que vivia em conflito com povos indigenas por ter invadido terrenos. Há alguns meses, essa quadrilha executou o filho de um cacique Maraguá com 16 facadas, disse.
Bonates alega que “ao contrário do que vem se tentando disseminar, a atuação das forças de segurança em Nova Olinda do Norte pretendeu restabelecer a ordem e livrar essas comunidades da opressão perpetrada por traficantes e lideranças locais, que agiam em uma parceria criminosa que vinha sendo ocultada dos orgãos federais, mas era amplamente conhecida pela população local”.
“Todas as denúncias estão sendo rigorosamente apuradas, conforme manda a lei, dentro de devido processo legal, ouvindo as acusações, apreciando provas e com direito à ampla defesa previstos na Constituição Federal”, conclui.
Leia a nota completa das entidades:
(Colaboraram Alessandra Taveira e Murilo Rodrigues)