Mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi enterrada na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). É a segunda na atual gestão da mesa diretora. No começo do ano foi a CPI da Afeam e esta semana foi a CPI do Diesel.
A Aleam, composta por 24 deputados estaduais, teoricamente deveria representar os interesses da população, deveria legislar e fiscalizar as ações dos demais poderes, principalmente o Poder Executivo, o governo do Estado, que tem quase R$ 15 bilhões para investir. Mas o que se notabiliza é que ela não investiga nada, não questiona nada e, com isso, contribuir com a situação calamitosa em que se encontram os serviços públicos de saúde, de educação e de segurança pública no Amazonas.
No ano passado, surgiu a proposta de investigar o desvio de R$ 20 milhões de recursos da Agência de Fomento do Estado (Afeam) que deveria ser investido nas micros e pequenas empresas do Amazonas e também apoiar os produtores do interior do Estado. No entanto, esse recurso foi parar nas mãos de uma empresa do Rio de Janeiro, envolvida na corrupção e em esquemas da Lava Jato.
Nove deputados tinham assinado o pedido da CPI da Afeam. O pedido foi protocolizado na Mesa Diretora, mas o presidente segurou o requerimento e depois de alguns meses arquivou, alegando que dois deputados tinham retirado as assinaturas. Um absurdo, visto que deveria a Mesa Diretora deveria ter instalada anteriormente a CPI. Com isso, nada de investigação do mau uso dos recursos públicos.
Agora, no dia 12 de abril deste ano, foi protocolizada uma nova CPI, de minha autoria, para investigar o desvio de combustível incentivado do transporte coletivo. O pedido contou com 11 assinaturas de deputados: Luiz Castro (Rede), Serafim Correa (PSB), Alessandra Campelo (PMDB), Dermilson Chagas (PEN), Adjuto Afonso (PDT), Ricardo Nicolau (PSD), Sabá Reis (PR), Wanderley Dallas (PMDB), Sabá Reis (PR), Vicente Lopes (PMDB), além da minha.
Porém, o presidente da Aleam, deputado David Almeida (PSD), arquivou o pedido, alegando que houve a retiradas de assinaturas dos deputados Sabá Reis, Adjunto Afonso, Ricardo Nicolau, Wanderley Dallas e Vicente Lopes, e por isso não teria mais 8 assinaturas necessárias. De quem partiu o pedido para a retirada de assinaturas?
Há vários anos o Governo do Estado concede incentivo de isenção de ICMS sobre o combustível (diesel) que é usado pelas empresas de ônibus na cidade de Manaus. O objetivo do incentivo era contribuir para que a tarifa de ônibus não aumentasse, ficando com o valor menor para beneficiar a população que usa diariamente o sistema de transporte. Foram cerca de R$ 36 milhões por ano de renúncia fiscal do Governo, recursos esses que poderiam ir para segurança, para saúde ou para educação.
A partir de fevereiro de 2017, o governador Melo cancelou o incentivo e a partir daí se constatou que as empresas de ônibus começaram a comprar menos combustível para abastecer a frota de ônibus.
Segundo dados da Secretaria da Fazenda do Estado, que o deputado Serafim Correa solicitou, no ano de 2016 foram incentivados 56.283.566 litros de diesel. Isso dá uma média mensal de 4.690.297 litros. Em janeiro de 2017, o consumo alegado foi de 4.469.100 litros, porém, em fevereiro de 2017 começou a diminuir, ficando em 3.825.150 e em maço de 2017 foi de 3.876.261.
Os empresários começaram a comprar menos combustível a partir do mês que acabou o incentivo de ICMS. Por que razão? Será que a frota de ônibus diminuiu de uma hora para outra? Será que houve algum investimento tecnológico para que os ônibus economizassem combustível? Ou será que foi uma fraude, onde por vários anos os empresários receberam incentivo por um volume de combustível comprado, mas uma parte era desviado e vendido em algum posto de gasolina e burlando a legislação estadual?
A frota de ônibus continua praticamente a mesma já há alguns anos. Nos últimos 03 anos da gestão do prefeito Arthur Neto que findou em 2016, nenhum ônibus novo entrou no sistema. Não compraram ônibus, a frota está envelhecida, com uma média de 1.500 ônibus rodando. A maioria muito velhos, com problemas sérios, e inseguros. Próximo de 20% da frota com 10 anos ou mais. Uma afronta à legislação municipal, que permite a vida útil de no máximo 10 anos . Antes do Arthur Neto, o prazo máximo era de 7 anos.
Era essa a razão da CPI. Investigar isso. Com o resultado da CPI poderia ser tomadas providências no sentido do Estado cobrar o ICMS sobre a parte de combustível não utilizado, além de que poderia ser rediscutido a tarifa de ônibus e a população seria compensada por ter pago a mais ao longo de alguns anos.
Segundo o regimento da Aleam, no artigo 52, a CPI é constituída mediante requerimento de um terço dos deputados para apurar fato determinado, em prazo certo, devendo apontar a estimativa de despesas destinadas ao seu funcionamento. Esses são os requisitos necessários. Tudo foi cumprido.
Além disso, há uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme decisão do ministro Celso de Mello, que diz o seguinte: “o requisito constitucional concernente à observância de 1/3, no mínimo, para a criação de determinada CPI, refere-se à subscrição do requerimento de instauração da investigação, que traduz exigência a ser aferida no momento em que protocolado o pedido junto à Mesa da Casa Legislativa, tanto que, depois de sua apresentação à Mesa, não mais se revelará possível a retirada de qualquer assinatura”.
Isto foi confirmado por uma decisão, em resposta à um Mandado de Segurança impetrado junto ao Tribunal de Justiça do Amazonas, onde o desembargador Hamilton Saraiva confirma esse entendimento, onde a retirada das assinaturas não inviabiliza a implantação da CPI.
Por isso, vamos continuar insistindo na CPI e buscar o Poder Judiciário para que seja cumprido a Lei, o regimento e o entendimento do STF sobre o assunto. Além do quem, há um interesse maior em jogo, o interesse da população que diariamente paga uma tarifa de ônibus abusivamente cara e não tem qualidade e segurança no serviço.
Ainda esta semana apresentei na ALE um Projeto de Resolução que define o prazo máximo de 03 sessões para a instalação de uma CPI, após o seu protocolo, a exemplo do que já acontece com as Assembleias Legislativas de outros estados.
A luta continua!
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.