Na atual conjuntura política do Brasil e de outros países, que a nós se assemelha pela mesma crise institucional, parece bastante oportuna a reflexão sobre a instalação da plutocracia e da cleptocracia, irmãs siamesas unidas pela mesma coluna vertebral: o poder econômico.
O escritor português José Saramago, falecido em 18 de junho de 2010, Nobel de Literatura de 1998, costumava dizer que “o que vigorava em muitas sociedades ditas democráticas era a plutocracia, o poder dos ricos”. Afirmava ainda que “o dinheiro define quem possui ou detém o poder real nas democracias enfraquecidas com a corrupção”. Nessa perspectiva, conclui-se que, uma vez enfraquecida, a democracia, que “é o sistema de governo no qual o povo exerce a soberania elegendo seus dirigentes por meio de eleições periódicas, diretas e com ampla participação popular”, se instala indiretamente a plutocracia e, junto com ela, a cleptocracia.
Como na maioria dos termos da ciência política, a plutocracia vem do grego ‘πλουτοκρατία’, formada por dois vocábulos: ploutos, que significa riqueza e kratos, que significa poder. Na tradição grega a plutocracia foi utilizada para designar o “sistema político governado por um grupo de pessoas que detém o poder econômico”. Apesar desse sistema político nunca ter sido adotado oficialmente em nenhum país, as práticas políticas que dele advém são amplamente aplicadas em muitas sociedades, inclusive no Brasil.
Na plutocracia os grupos econômicos se instalam no poder e passam a controlar as decisões políticas com a finalidade de defender seus interesses, mesmo que estes estejam acima dos direitos sociais da grande maioria da sociedade. Os plutocratas não precisam necessariamente estar diretamente no poder político. Eles podem controlar os políticos através dos financiamentos de suas campanhas ou pelo pagamento constante de gordas propinas que garantem a votação de emendas parlamentares ou decretos constitucionais que assegurem o crescimento de seus projetos econômicos.
Os grupos plutocráticos são compostos por poucos componentes, formando uma elite econômica que não necessariamente precisa morar ou conviver no país que controlam. Aliás, uma mesma plutocracia pode controlar a política de vários países simultaneamente. No entanto, existe um elemento fundamental para o estabelecimento da plutocracia. Ela depende diretamente do crescimento de outro tipo de poder, a cleptocracia. Trata-se de mais um conceito grego. O prefixo da palavra é ‘kleptes’ que significa ladrão ou o ato de roubar ou agir em segrego na surdina da calada da noite. A origem grega do vocábulo ‘kleptes’ vem da palavra ‘kleptein’ que significa mania de roubar que, por sua vez, vem da palavra loucura.
Traduzindo do grego para a língua portuguesa, cleptocracia significa o “Estado governado por ladrões”. Refere-se não necessariamente a um sistema político, mas, define práticas políticas dentro de determinado regime político específico que pode ser a democracia, o autoritarismo, o totalitarismo, ou qualquer outro regime que se deixe governar por cleptocratas que, por sua vez, se encarregam de garantir que as decisões políticas sejam tomadas com total parcialidade e direcionadas aos interesses pessoais ou corporativistas dos detentores do poder ou representantes da plutocracia.
Quanto mais forte e mais amparada legal e politicamente, mais a cleptocracia cria condições simultâneas para o crescimento e o estabelecimento da plutocracia. A sua prevalência no poder, no entanto, de maneira especial, nos regimes democráticos, vai depender da ‘permissão’ da sociedade. Isto é, enquanto a sociedade se deixar enganar pelas artimanhas dos cleptocratas, cresce desenfreadamente a plutocracia e, cada vez mais, crescem os lucros das corporações econômicas às custas do dinheiro público destinado aos impostos que não retornam à população em forma de bens e serviços porque, antes disso, é embolsado pelos cleptocratas já fortalecidos no poder pela plutocracia.
Existem diversas formas de se fazer com que a população permita o crescimento da plutocracia. A forma mais eficaz, no entanto, é o controle da informação, através dos meios de comunicação social e o controle do aparato de justiça do Estado. Controlando estas duas esferas da sociedade, instala-se a cleptocracia nas instituições políticas e a plutocracia passa a reinar soberana de maneira especial quando a mídia privada se encontra nas mãos de corporações econômicas representadas no sistema político através de seus cleptocratas.
Qualquer semelhança desses conceitos com o que ocorre atualmente na política brasileira, não é mera coincidência. É apenas a aplicação de antigos conceitos gregos que transcendem a história e se instalam nos meandros da democracia. Isso só ocorre porque o povo tem permitido. Mas, até quando o povo vai aguentar tamanha humilhação? Até quando vai sustentar as loucuras dos cleptocratas e as manias da plutocracia? Até quando meu povo vai continuar retirando o leite da boca das suas crianças e entregando-o aos plutocratas que nada fazem pela sociedade, ao contrário, gastam nosso dinheiro em outros países? Até quando meu povo vai permitir que a merenda escolar seja desviada para engordar os bolsos dos cleptocratas inescrupulosos que são capazes de vender a própria mãe para agradar aos plutocratas e se manterem no poder às custas da compra de votos e da manipulação da sociedade? Até quando meu povo vai permitir que se enfraqueça a democracia que nos custou sangue e lágrimas num passado recente? Até quando?!
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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