Por Alexa Salomão e Clayton Castelani, da Folhapress
BRASÍLIA – A Eneva foi o destaque no leilão de térmicas a gás, na modalidade de reserva de capacidade, que ocorreu nesta sexta-feira (30). O certame, que atende a exigência de contratação de usinas a gás prevista na lei de privatização da Eletrobras, não conseguiu negociar nem metade da energia ofertada.
No total, foram fechados 754 MW (megawatts) para região Norte, 75% da oferta. Não foram feitos lances para a região Nordeste. Prevaleceu o preço teto de R$ 444 por MWh (megawatt-hora), sem deságio. Os investimentos previstos somam R$ 4,1 bilhões.
A Eneva saiu vencedora com as usinas Azulão 2 e 4, que vão cobrir a oferta de pouco mais da metade da energia contratada para o Norte, 590,9 MW. A GPE (Global Participação em Energia) fez uma oferta menor, de 162,9 MW, com a termelétrica Manaus 1.
Foram oferecidos no leilão um total de 2 GW (gigawatts) de termelétricas a gás, sendo 1 GW em áreas metropolitanas da região Norte, com entrega a partir de dezembro de 2026, e outro 1 GW de projetos no Nordeste, 700 MW no Piauí e 300 MW no Maranhão, que devem estar gerando energia a partir de dezembro de 2027. Os contratos são de 15 anos.
Os 2 GW do certame desta sexta fazem parte de um total de 8 GW em projetos a gás que precisam ser instalados. A exigência foi inserida pelos parlamentares na MP (medida provisória) de privatização da Eletrobras durante a tramitação do texto. Como não têm nenhuma relação com a desestatização, o projeto de expansão de térmicas a gás ficou conhecido como jabuti da Eletrobras.
A ausência de lances no Nordeste trouxe alívio para o mercado. A leitura é que prevaleceu a análise técnica sobre o interesse político.
Projetos no Maranhão até eram considerados viáveis, mas de alto risco, especialmente para quem não tem acesso direto a gás local. Por causa do aumento da tensão com a Rússia anexando áreas na Ucrânia, o cenário para o insumo é cada vez mais incerto.
No Piauí, projetos de usinas térmicas a gás são considerados inviáveis sem um gasoduto. Uma alternativa para região é o gasoduto Meio Norte, cuja obra demandaria no mínimo R$ 5 bilhões em investimentos, segundo estimativas do mercado. A garantia de gás também viabilizaria a Gaspisa, distribuidora de gás que não opera por falta de insumo, e tem como sócios o governo do estado do Piauí e o empresário Carlos Suarez.
No Congresso, correram tentativas de recriação do brasduto, o fundo que bancaria a expansão da rede de gasodutos no Brasil com recursos públicos. No entanto, elas não avançaram até a realização do leilão.
O uso do gás na expansão da geração de energia elétrica não é consensual. O gás já responde por 25% da geração de energia no Brasil, mas boa parte dos especialistas argumenta que ele não é insumo para a transição energética no país em que predomina a produção hídrica e tem alto potencial para o avanço de outras fontes renováveis. O momento seria dos investimentos em energia solar e eólica, mais limpas e baratas. Outros defendem que essas usinas podem garantir o abastecimento em períodos de instabilidade climática.
A oposição é ainda maior às térmicas exigidas na lei de privatização da Eletrobras. Especialistas questionam a falta de racionalidade técnica, pois devem obrigatoriamente ser instaladas onde não há gás ou grande mercado consumidor, o que exige investimento em infraestrutura de transporte do insumo e transmissão da energia.
O frustrante resultado desta sexta reforça a oposição a essas usinas. A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, por exemplo, tem entre suas metas convencer a nova leva de parlamentares e rever a lei da Eletrobras para retirar a obrigatoriedade de construção das demais usinas. “Não tenho o menor receio de dizer que o Brasil não precisa dessas térmicas”, diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente.
Os projetos agora também estão sendo questionados por ambientalistas. Nesta sexta, o Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) divulgou nota questionando a falta de transparência sobre os impactos dos projetos para a região Amazônica.
“Apesar de contarem com licença prévia, as usinas contratadas no estado do Amazonas não têm (EIA/Rima [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental]”, afirmou Ricardo Baitelo, gerente de projetos Iema.
“Pela falta de documentação, fica impossível precisar os reais riscos socioambientais das usinas. Ou seja, essas termelétricas foram contratadas sem disponibilizar à sociedade os impactos ambientais que causarão, principalmente, na região”, disse.
Na terça-feira (26), o Instituto Internacional Arayara entrou com ação civil na Justiça Federal em Brasília na tentativa de suspender o leilão. A entidade alega na ação que a exigência dos 8 GW de térmicas a gás na lei de privatização da Eletrobras é inconstitucional, e que há jurisprudência nesse sentido. Também questiona os custos financeiros e ambientais das usinas.
Um silencioso embate jurídico foi travado na Justiça da capital. A PGR (Procuradoria-Geral da União) defendeu a realização do certame. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a Eneva também acionaram suas áreas jurídicas.
A Justiça não se manifestou até a publicação deste texto.
Reviravolta nos negócios
A Eneva é a maior operadora privada do Brasil de gás natural em terra – on shore, como se diz no jargão do setor. Atua com 11 campos de gás natural nas bacias do Parnaíba (MA) e Amazonas (AM). Sua área de concessão nesses estados supera 60 mil quilômetros quadrados.
Tem usinas a gás em Maranhão, Ceará e Roraima. Ao mesmo tempo, atua no segmento de energia renovável. Entre seus empreendimentos está o Parque Solar Futura, em Juazeiro (BA).
Seu parque de geração soma 5,6 GW de capacidade instalada e projetos em fase de construção.
Antiga MPX, empresa de energia criada pelo empresário Eike Batista, a Eneva agora tem entre os acionistas investidores financeiros. Lanx Capital (18,28%) e BTG (17,21%) são os principais, mas também há participação de Dynamo Administração (5%), Atmos Capital (4,73%), Vanguard Group (2,75%), CSHG Asset (2,20%), BlackRock (1,62%), entre outros.
Após mudanças de acionistas e gestores, bem como percalços financeiros, o que inclui pedido de recuperação, a Eneva se reergueu. Encerrou 2021 com um lucro de R$ 1,1 bilhão.
Ações na Bolsa
Logo após o leilão, as ações ordinárias da companhia (ENEV3) subiam 1,73% na B3, a Bolsa brasileira, pouco acima do Ibovespa. Por volta das 11h30, a empresa registrava a quarta maior alta da Bolsa e também ocupava a terceira posição em volume de negociações. Em volume, a empresa está à frente de ações com liquidez razoável, como o Magazine Luiza.
Na quinta (29), os papéis tiveram alta de 1,33%, dia em que o Ibovespa fechou em baixa de 0,80%, pressionado pelo temor de recessão que domina o mercado global de ações. Foi a primeira alta após quatro baixas diárias, que acumulavam queda de 10% no período. No ano, os papéis sobem 2,12%.
A companhia está na lista do Novo Mercado e integra o seu principal índice, o Ibovespa.
A avaliação dos analistas é que com essa nova rodada de usinas a Eneva reforça o uso do gás de suas reservas ao Norte, que vai se refletir positivamente nas ações da companhia.