Todos os anos o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos surpreende de alguma forma, é incrível como há sempre algo inesperado que emerge da correção das provas, na edição de 2014 ficamos chocados com mais de meio milhão de notas zero em redação quando os alunos tiveram de dissertar sobre o tema: “Publicidade infantil em questão no Brasil”. Já na última sexta-feira, quando foram divulgados os resultados do Enem 2015, mais uma surpresa veio à tona, quando um estudante piauiense apresentou para todo o Brasil a nota 1008,3 (mil e oito pontos e três décimos) em Matemática, posteriormente apareceram mais dois alunos paulistas com a mesma nota.
O grande problema disso é que já havia um consenso estabelecido de que as escalas de proficiência utilizadas nas avaliações das áreas de conhecimento do Enem só iriam até 1.000. Na verdade, o entendimento é que o valor 1.000 era inatingível, sendo assim, a nota máxima poderia ser um valor próximo disto. Esta visão sempre foi corroborada por técnicos do Instituo Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem. O próprio presidente do Instituto, professor Francisco Soares, já se referiu publicamente a esta escala desta maneira.
Outra fonte que dava veracidade a afirmação tantas vezes propalada era a análise das notas máximas dos anos anteriores, vejamos os números:
A partir dos dados percebe-se primeiramente que em nenhuma edição anterior, em nenhuma área de conhecimento, a nota chegou a 1000 pontos. Daí surgiu a afirmação de que a escala só poderia ir até esse limite. Neste sentido, a afirmação não era errada, no entanto, mudanças nesse limite máximo poderiam ser feitas.
Observando-se especificamente as notas máximas da área de matemática, em todas as edições do Enem, percebe-se que ela sempre esteve mais perto de 1.000 que as das demais áreas, isto nos sugere que muitos alunos que acertavam todos os itens de Matemática obtendo a nota máxima em cada edição poderiam ter proficiência ainda maior, ou seja, poderiam resolver questões com um maior grau de dificuldade obtendo assim uma nota superior a que tiveram, em outras palavras, estavam sendo prejudicados por uma escala “curta” que chegava somente próximo de 1.000.
Um exemplo didático para tentar explicar isto é o seguinte: imagine que uma pessoa tivesse que medir a altura de todos os habitantes de Manaus com uma fita métrica de dois metros de comprimento. É certo dizer que ela conseguiria determinar a altura da grande maioria dos indivíduos, contudo, pode-se afirmar sem erro que um pequeno grupo, aqueles de altura superior a dois metros, ficaria com uma medida imprecisa e inconfiável, que provavelmente se diria que é de dois metros porque a fita métrica só conseguiu medir até isso. O que fazer neste caso? Se utilizar uma fita métrica maior, é claro. Assim poderíamos distinguir as alturas deste pequeno grupo com precisão.
No Enem, na área de matemática, estávamos usando uma escala que era muito “curta” para um pequeno grupo de indivíduos, os de alta proficiência. Assim, não conseguíamos os distinguir com notas diferentes e acabávamos dando a mesma nota para todos E o que fazer neste caso? Se utilizar uma escala maior é claro, e foi o que o Inep deve ter feito. O aparecimento, de até o momento, três notas superiores a 1.000 só confirmaram as suspeitas, pensem que se estes meninos tivessem feito o Enem de 2014 eles teriam toda nota máxima 973,6, mesmo possuindo proficiência superior a esta.
Em nota publicada na noite da última sexta-feira, o Inep disse que: “Nesta edição do Enem, o desempenho em matemática foi o destaque. A nota máxima chegou a 1008,3, a maior já registrada na história do exame — na edição anterior, o máximo ficou em 973,6. A tendência de aumento no desempenho em matemática comprova a melhor qualificação dos participantes nesta área.”
Vale ressaltar que a melhor qualificação dos participantes a que se refere a nota é a de um pequeno grupo de estudantes brasileiros que possuem alta proficiência em matemática, que não conseguiam ter seu desempenho distinguido um do outro nas edições anteriores por conta da inadequação do limite máximo da escala que aferia o seu conhecimento.