Do ATUAL
MANAUS – O eleitor brasileiro, de diferentes perfis políticos ou sociais, reconhece o racismo como um problema estrutural no Brasil, com impacto na sub-representação de pessoas negras na política. Mas esse diagnóstico não gera uma disposição imediata de apoiar políticas para mitigar a sub-representação, como as cotas, tampouco de votar em candidaturas negras, mostra a pesquisa ‘Agenda Antirracista e a Política Brasileira’.
O estudo é do Opel (Observatório Político Eleitoral) com apoio da Friedrich Ebert Stiftung (FES-Brasil) e Fundação Tide Setubal. Conforme a sondagem, confrontada com dados sobre a desigualdade, a maioria das pessoas se dispõe a apoiar cotas raciais na política, mas mantém a posição de não aceitar a raça como um critério de voto.
O estudo ouviu 9 grupos de eleitores entre agosto e outubro de 2023 nas três maiores capitais eleitorais do Brasil: Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
A intenção é saber as preferências, os valores e o comportamento político do eleitorado sobre representatividade negra, racismo e eleições no Brasil. Segundo os autores da pesquisa, a política brasileira vem sendo interpelada pela emergência da pauta antirracista, especialmente por críticas à sub-representação de homens e mulheres negras nos espaços de poder, e esse estudo busca compreender qual impacto deste cenário no sistema político eleitoral.
O entendimento é de que havia uma eleição altamente polarizada. Então, para assegurar um mínimo de equilíbrio entre os polos do espectro político, foi utilizada a pergunta sobre o voto para presidente em 2022 como critério para compor os grupos focais, garantindo que o universo formado refletisse, em alguma medida, a diversidade de perspectivas políticas.
O estudo mostra que a percepção sobre o racismo como um problema na sociedade brasileira não variou significativamente entre diferentes perfis políticos ou sociais, de lulistas a bolsonaristas.
Muitos participantes relataram episódios específicos vividos ou observados em locais de trabalho, instituições religiosas e espaços públicos, reforçando a ideia de que o racismo é uma realidade vivida e sentida cotidianamente. Há menções a experiências de discriminação racial nas redes sociais, no ambiente corporativo e até em igrejas, o que ilustra a presença do racismo em diversas áreas da vida pública e privada.
As análises identificaram que há um consenso entre todos os grupos sobre a necessidade de enfrentar o racismo. No entanto, há uma barreira cultural, muitas vezes ancorada em valores de igualdade abstrata e meritocracia.
Quando convidados a refletir sobre formas concretas de enfrentar o racismo, surgiram propostas amplas, como o endurecimento das leis contra a discriminação. E muitos eleitores demonstram resistência a práticas específicas, como cotas ou medidas coordenadas de incentivo ao voto em candidaturas negras.
Durante as discussões com os grupos, observou-se que a receptividade às cotas raciais aumenta quando os participantes têm acesso a informações que demonstram a sub-representação racial na política. A apresentação de dados concretos, como estatísticas sobre a baixa presença de pessoas negras em cargos políticos, desempenha um papel fundamental na legitimação de políticas de cotas aos olhos do público, convertendo percepções que inicialmente eram neutras ou contrárias em apoio moderado.
Esse efeito sugere que campanhas educativas e informativas, que destaquem a desigualdade de representação, podem ser uma estratégia eficaz para sensibilizar o eleitorado e aumentar o apoio a políticas de inclusão racial. Entretanto, alguns entrevistados – normalmente posicionados à extrema-direita – mesmo ao serem confrontados com tais dados, ainda resistem às cotas raciais, argumentando que “somos todos iguais” e que as oportunidades devem ser baseadas exclusivamente no mérito individual, independentemente de raça.
Por fim, aproximadamente 45% dos entrevistados afirmaram ter votado em candidatos negros, mas essa escolha geralmente não é baseada na raça. Os eleitores, em sua maioria, priorizam características como propostas e ações locais ao decidir em quem votar. E muitos eleitores acreditam que as competências e as plataformas de campanha devem ser os critérios principais para escolha, o que dificulta o uso da raça como fator determinante no voto.
O Opel, a FES-Brasil e Fundação Tide Setubal sugerem que a campanha política deve incluir estatísticas visíveis, como o percentual de pessoas negras ocupando cargos políticos em comparação com a proporção da população negra no Brasil. Também pode mostrar exemplos de países que implementaram políticas de cotas raciais e os impactos positivos resultantes em termos de representatividade e justiça social.