No Brasil, muito se fala em investimento no ensino público. Nos últimos anos tivemos a vitória de elevar gradativamente o orçamento da educação para 6,1% do PIB, com a pretensão de chegarmos a 10% nos próximos anos. Contudo, o que se percebe é que os recursos (ainda que insuficientes) são mal administrados. Se gasta muito dinheiro todos os anos em projetos que no decorrer de sua execução acabam se perdendo dos objetivos a que propuseram alcançar, ou pior, ficam pelo meio do caminho.
A má gestão começa na esfera federal (Ministério da Educação), passa pelas secretarias estaduais de educação e chega até o chão da escola. Em cada um desses níveis há atores (ministros, secretários e diretores) que em algum momento contribuem sobremaneira para que os recursos sejam mal empregados e os projetos não consigam ir até o fim ou que se afastem muito do resultado esperado.
Podemos começar esta análise pelo chão da escola, pela gestão mais imediata que é a do diretor. Quando se olha nas secretarias de educação de todo o Brasil, percebe-se que a atuação dos diretores é, em grande parte, operacional. Isto quer dizer que a sua gestão se restringe (em grande parte) em manter a escola funcionando: alunos e professores em sala de aula, as avaliações sendo realizadas, as notas lançadas no sistema, a merenda escolar na copa e o atendimento de pais sendo feito.
É claro que isso não é pouco, nem também sem importância. Na verdade, essa parte operacional é bastante trabalhosa e, sendo assim, consome muito tempo da gestão que acaba por empregar todos os recursos humanos para conseguir cumpri-la.
Impregnados com as demandas do dia-a-dia, os diretores não conseguem parar para fazer uma avaliação do próprio trabalho. Desta forma, o que se vê é que o planejamento não vai além do cumprimento do conteúdo programático e da realização de algumas atividades durante o ano, como: gincanas, feiras culturais e apresentação de danças na época das festas juninas.
Novamente deixamos claro que o que é feito não é pouco, mas para que a escola avance em resultados é necessário que o planejamento envolva outros aspectos igualmente relevantes. Ou seja, falta um planejamento mais técnico, baseado nas avaliações internas e externas. Estudos sobre violência, bullyng, evasão, abandono, retenção, proficiência e absenteísmo dos professores, são coisas essenciais para subsidiar as ações de um planejamento anual bem elaborado.
Infelizmente, é muito difícil encontrarmos uma escola que trabalhe com um quadro de metas e com a elaboração de um plano de ação para atingi-las. Mais raro ainda é quem avalie suas ações periodicamente para verificar se está no curso correto tendo em mente os objetivos traçados no planejamento anual. Resumindo, padece-se de um trabalho realmente técnico.
Isto conduz a escola a uma prática pouco reflexiva, trabalha-se no “automático”, sempre apagando os “incêndios” que surgem dia após dia. O resultado disso é que muita energia é empregada e poucos resultados são obtidos, o que frustra demais diretores e suas equipes técnicas.
Ouve-se muito nas escolas: “Nós já não sabemos mais o que fazer”, e nessa sensação de incapacidade alguns acabam por culpabilizar os alunos. Chega-se ao ponto de se dizer que o problema das escolas são os alunos, como se fosse possível existir escola sem eles.
É claro que a falta de uma gestão mais técnica, que atue de maneira efetiva em cada um dos problemas que tangem o ambiente escolar, não é fruto da má vontade dos gestores, pelo contrário vemos na maioria deles um esforço muito grande, contudo, não tendo recebido formação específica sobre gestão durante a graduação e, principalmente, não recebendo formação continuada e apoio das secretarias de educação, fica muito difícil realizar um trabalho que fuja deste modelo.
Outro fator que colabora enormemente para isso é a falta de condições de trabalho: faltam salas, computadores, mobiliário e pessoal. Este último sendo o mais grave, pois a maioria das escolas trabalha com um quadro técnico subdimensionado. Neste contexto, fazer o básico já é um desafio muito grande e prova de gestão atuante.
Contudo, não se pode perder a perspectiva de um trabalho que culmine em resultados melhores, pois só assim a educação brasileira poderá avançar em qualidade. Mas um trabalho como este requer estudo, análise e planejamento de intervenções a serem realizadas. E para isso são necessárias também condições adequadas.
As secretarias de Educação
Nas secretarias vê-se uma condição de trabalho tão ruim, ou pior, que nas escolas. O subdimensionamento das equipes chega ao extremo, há casos de equipes de oito a dez pessoas que respondem por 400 a 500 escolas. Nestas condições, atender de maneira adequada a diretores e suas demandas, se torna praticamente impossível.
O mesmo sentimento de incapacidade e frustração que há no ambiente escolar, toma os funcionários das sedes das secretarias de educação. Funciona-se também no “automático” e com um quadro insuficiente só se vê o trabalho acumular cada vez mais, e os resultados ficarem cada vez piores.
Existe uma queixa muito comum no MEC quanto a capacidade executiva das secretarias de educação, que mesmo sendo auxiliadas e recebendo recursos as vezes não conseguem fazer os projetos “acontecerem”, o que é perfeitamente compreensível levando-se em conta as condições de trabalho que elas possuem.
Vale ressaltar que algumas secretarias pelo país conseguiram fugir desse modelo e passaram a ter bons resultados, fruto de investimento em gestão. Um bom exemplo disso é o estado de Goiás que conseguiu uma grande evolução no Ideb do ensino médio, e que tem excelentes resultados no Programa do Ensino Médio Inovador (Proemi), programa do governo federal que tem por objetivo promover a rediscussão curricular nas escolas de ensino médio.
Para obtenção deste resultado o estado de Goiás contou com a parceria do Instituto Unibanco, através de um projeto chamado “Jovem de Futuro”, que dá apóio à secretaria com material didático, formação de professores, monitoramento de resultados e, principalmente, técnicos do próprio instituto dentro da secretaria para auxiliarem os gestores na condução dos projetos.
O Ministério da Educação
Na cadeia Escola–Secretaria de Educação–Ministério da Educação, o ministério é o que podemos chamar de “irmão mais rico”. Apesar de os recursos estarem lá e a estrutura física ser bem superior a da maioria das secretarias de educação, ouve-se no MEC muitas queixas no que diz respeito a quantidade reduzida de pessoas trabalhando nos inúmeros setores do ministério, e nisso MEC e secretarias estaduais se igualam.
Há também a questão de muitas nomeações políticas, pouco pautadas no conhecimento técnico, o que acaba por comprometer o andamento dos projetos do ministério. Outro fator é a rotatividade dos cargos, é muito comum que de um ano para o outro haja mudanças em coordenações e direções, o que implica em um constante recomeço do trabalho já realizado, pois quem chega acaba querendo imprimir sua marca através de mudanças na condução dos projetos.
O ministério também deixa muito a desejar em sua gestão interna, os inúmeros setores muitas vezes não se enxergam e mesmo tendo objetivos comuns trabalham de maneira desarticulada, provocando uma divisão de forças nas secretarias de educação e conseqüentemente nas escolas.
Um caso emblemático disso é o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que ao adquirir livros para o ensino médio não dialoga com a equipe do Inep responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), nem tampouco com a equipe do Programa Ensino Médio Inovador (Proemi).
Todos atuam no mesmo nível de ensino, mas não há diálogo entre eles. A consequência disso é sentida pelos professores, na ponta: livros didáticos que tem uma abordagem diferente da prova do ENEM e uma proposta de currículo diferente dos outros dois.
Na dúvida de como trabalhar, o professor acaba fazendo seu trabalho como entende ser mais correto, o que por vezes não condiz nem com a abordagem do livro didático, nem com a da matriz de referência do Enem, nem com a da perspectiva de currículo que se deseja.
Como se pode ver existe um desencontro muito grande ocasionado por uma gestão a nível federal que não consegue amarrar todas as pontas soltas. Olhando para isso, as secretarias estaduais e escolas sentem-se à vontade, uma vez que o próprio ministério não consegue se organizar. E nisso acaba ocorrendo o que de pior pode acontecer na administração pública: o entendimento de que tudo isso é absolutamente normal.