Por Valmir Lima, do ATUAL
MANAUS – A geógrafa e professora do Departamento de Geografia da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) Adorea Rebello Albuquerque afirmou ao ATUAL que é inaceitável a situação de comunidades da Amazônia sem água potável para consumo na maior bacia hidrográfica do mundo. Ela aponta a falta de vontade política das autoridades locais, estatuais e nacionais e diz que é preciso cumprir a lei para evitar as tragédias e soluções paliativas em tempos de descida e subida dos rios da Amazônia.
Adorea Rebello lembra que a Lei 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, estabelece que “a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Art. 1° – V).”
Já se passaram 26 anos, e a população continua na mesma situação. Quando o rio sobe, milhares de famílias precisam ser socorridas; quando desce, acontece a mesma coisa. Neste ano, a forte estiagem provoca a seca quase total de alguns cursos d’água, inviabilizando o transporte por embarcação, o que compromete o abastecimento de cidades e comunidades ribeirinhas em toda a região.
“Está lá na Lei 9.433, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos. A bacia hidrográfica deve ser a unidade de planejamento ambiental e territorial. Então, falta essa gente cumprir a lei. Como não fizeram nada nesses 26 anos, a gente está nessa situação. Na maior bacia hidrográfica do mundo, faltando água para as pessoas beberem. Isso é uma coisa inaceitável”.
A professora lembra que quando os rios estão cheios, as águas são consumidas pelas comunidades sem tratamento, contaminadas, o que gera prejuízos e doenças de veiculação hídrica. Quando as águas dos rios baixam, as pessoas ficam com dificuldade de acesso à água potável, que é um direito fundamental do ser humano. “E na Amazônia, na maior bacia hidrográfica do mundo, está acontecendo justamente o contrário”.
Adorea Rebello afirma que os políticos pensam apenas em estradas, que, segundo ela, são importantes, e nada planejam para os períodos críticos tanto de cheia quanto de seca dos rios.
“Qual é o problema de as autoridades construírem infraestruturas de armazenamento de água, de mercadoria, de alimento, de gás? Seria armazenamento para 90 dias, que é o tempo máximo que dura a cheia ou a vazante dos rios. Falta vontade política.”
Adorea lembra que algumas cidades da Amazônia dependem totalmente do escoamento de produtos das capitais para abastecimento, e dependem totalmente dos rios para fazer chegar essa mercadoria à população. “Então, os planos diretores dos municípios e das capitais e as políticas hídrica e ambiental dos estados precisam cumprir a lei e começar a ser construída a partir das bacias hidrográficas.”
Dragagem dos rios
Nesta semana, o Governo do Amazonas, com a ajuda do governo federal, inicia um processo de dragagem do Rio Solimões, nas proximidades dos municípios de Tabatinga e Benjamin Constant. Adorea Rebello afirma que essas ações são necessárias, mas precisam ser feitas com cautela, para não comprometer ainda mais a situação dos ribeirinhos.
Ela explica que o canal hidrográfico (o rio) é composto por três unidades, que são o canal que fica com água perene, o leito menor e o leito maior. Quando se faz dragagem, dependendo da largura do canal, é possível que a retirada de sedimentos dos leitos menor e maior intensifiquem os processos erosivos.
“Neste momento estamos com comprometimento de duas unidades do canal hidrográfico: o leito menor e o leito maior. Se você mexe nesses dois leitos, pode favorecer esses processos de erosão”, explica a geógrafa, que também recomenda que a dragagem seja feita com monitoramento por especialistas no assunto.