Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – A ideia de que o servidor público ganha muito e trabalha pouco é equivocada, segundo Riad Ballut, presidente do Sispeam (Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais do Amazonas). “Não é justo jogar a culpa da despesa do Estado em cima do servidor público”, diz.
O assunto voltou ao debate com a derrubada pelo Senado do veto presidencial ao reajuste de salários de servidores, que está congelado até o final de 2021. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que seria impossível governar o Brasil caso a Câmara não revertesse a decisão, o que ocorreu na semana passada, quando a Casa manteve o congelamento salarial até o final do ano que vem.
Ballut diz que é um engano a imagem de que os servidores detêm maior poder econômico. “Em relação à sociedade achar que nós servidores públicos somos um peso, a história conta que sempre foi assim. Sempre acharam que nós éramos marajás. E não é dessa maneira”, refuta. De acordo com Ballut, no Amazonas o servidor ganha menos do que deveria. “É de um modo geral. Aqui no Amazonas todo serviço público está abaixo do que deveria ganhar”, afirma.
Ballut diz que entende a situação econômica do Estado, mas acredita que é preciso mais diálogo para que a categoria entre em consenso com o governo. “Não adianta eu querer ganhar dez se o Estado só pode me pagar oito. Por outro lado, também eu não posso aceitar que o Estado não me pague os 10 e pague 20 por um contrato fraudulento. Então, eu acho que a solução está em o Governo do Estado sentar com as lideranças dos servidores discutir o que governo pode oferecer, qual o limite do governo”.
O sindicalista afirma que não é justo é jogar a culpa da despesa do Estado em cima do servidor público. “Até porque o servidor público é quem realmente trabalha. Eu estou falando do efetivo, porque comissionado tem um bocado aí. Porque quem carrega o Estado nas costas é o efetivo”, afirma.
Estado burguês
O servidor José Alcimar de Oliveira, professor de Filosofia da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), também avalia como distorcida a visão de que o funcionalismo público é o responsável pela crise financeira do Estado.
“É uma visão que distorce a realidade. E não se pode esperar algo diferente do Estado burguês. Por acaso, a burguesia está em crise? O rentismo está em crise? O Estado tem uma máquina azeitada para arrecadar, tributar, mas muito morosa, mesquinha, para devolver em termos de direito, de serviços decentes à população aquilo que arrecada”, critica.
De acordo com José Alcimar, a maioria absoluta do funcionalismo, seja federal, estadual ou municipal, recebe salários baixos e comparar com os trabalhadores contratados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é desonesto.
“Veja, por exemplo, os setores da educação, da saúde, da própria segurança, que concentram a maior parte do funcionalismo público. A comparação com os trabalhadores da CLT é desonesta. Tanto os trabalhadores celetistas, que seguramente estão ainda mais precarizados do que os estatutários, deveriam ter um piso constitucional, cuja referência deve ser o piso do Dieese. Pelos cálculos do Dieese, o salário mínimo em 2020 não poderia ser inferior a R$ 4 mil”, exemplifica.
Entretanto, levantamento da FGV Social com base nas declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) de 2018 divulgado esta semana revela a preponderância dos empregos públicos como os mais bem pagos do país. Entre as 10 ocupações mais bem pagas no Brasil, 6 estão no setor público. No agregado de atividades de uma mesma área, a renda média de servidores praticamente empata com a de investidores e rentistas –e ganha dos empresários, diz a pesquisa.
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No último mês, a folha de pagamento dos 2.772 servidores ativos da ALE (Assembleia Legislativa do Amazonas) somou R$ 16,3 milhões, sendo R$ 12,1 milhões em vencimentos e R$ 4,2 milhões de benefício-alimentação. Quanto aos 226 servidores aposentados da Casa, a folha somou R$ 1,9 milhão mais benefício-medicamento no total de 256,9 mil, totalizando R$ 2,2 milhões.
No TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas), incluindo capital e interior, o valor bruto mensal da folha dos servidores ativos é de R$ 38,7 milhões. O tribunal tem 2.237 servidores ativos entre efetivos e temporários, 176 juízes na ativa e 26 desembargadores.
No Governo do Estado, o valor bruto da folha de pagamento dos 76.926 servidores ativos somou R$ 457 milhões. Quanto ao total da folha dos 29.619 inativos do Estado, o que inclui também os inativos do Poder Judiciário, a Amazonprev não informou e se limitou a disponibilizar para consulta o documento no portal da transparência com 581 páginas onde consta apenas o valor individual da aposentadoria de cada servidor.
Em consulta às folhas de pagamento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Amazonas é possível verificar o quanto recebem os ocupantes do cargos mais altos. Secretários recebem R$ 28,5 mil; deputados, R$ 25,3 mil; desembargadores, em torno de R$ 67,1 mil e juízes, em torno de R$ 64,5 mil. Esses são os valores brutos, que com descontos ainda permanecem elevados se comparados aos vencimentos de cargos inferiores.
Entretanto, apesar das diferenças entre vencimentos, Ballut e José Alcimar afirmam que o problema não está neste ponto, mas na desvalorização de quem recebe pouco.
“Eu acho que o secretário tem sim que ganhar bem, até por causa da responsabilidade deles. Você imagina um secretário da saúde por exemplo, que tem contrato lá de milhões”, diz Ballut. “Eu acho que tem que ganhar bem, mas os servidores também. Então a solução é reunir a liderança dos servidores públicos. Sentar, ver onde é que o Estado pode melhorar. Não é diminuir quem ganha bem, é melhorar quem ganha mal”, acrescenta.
“Trata-se de outra forma de jogar fumaça sobre a questão principal. Os excessos, que seguramente existem e devem ser combatidos, representam uma porçãozinha do todo. A grande maioria, e bote grande nisso, do funcionalismo público trabalha muito e ganha mal, e sempre serve de bode expiatório para justificar a alegada crise financeira do Estado”, pontua José Alcimar.
Para o servidor da Ufam, é preciso que o governo federal olhe a dívida pública. “Onde está a sangria? Onde está o rombo? Desde 1988, nenhum governo cumpriu a exigência constitucional de promover a auditoria da dívida, dívida absolutamente lesiva para a maioria do povo brasileiro, pois representa uma sangria de quase 50% do orçamento”, afirma.
A nível estadual, Ballut acredita que o governo deva verificar contratos de anos que permanecem em várias gestões. “Nós temos que reavaliar. O governo deveria chamar as lideranças. E quando eu falo isso eu não falo só de nós servidores públicos não, eu falo num contexto geral. Nós temos contratos aí que vem rolando de governo para governo”, diz.
O impacto na sociedade dos baixos salários é o comprometimento do serviço público, explica José Alcimar. “Ao receber um salário que não garante o mínimo decente para viver, o servidor é obrigado a se virar, fazer bicos, trabalhar em três turnos, num processo perverso que além de lhe compromete a vida, sua saúde, sua vida familiar, compromete também seu desempenho no serviço público”, pontua.
O servidor cita como exemplo os profissionais da educação. “O que pensar, por exemplo, de um profissional da área da educação – e se for na iniciativa privada a situação é mais dramática – que para sobreviver é obrigado cumprir três turnos de trabalho”, diz.