Por Alexa Salomão, da Folhapress
SÃO PAULO – A economista e advogada Elena Landau mergulhou na campanha da candidata à Presidência Simone Tebet (MDB) como coordenadora do programa econômico. Com a derrota no primeiro turno, esperou a sinalização da emedebista para anunciar que agora votará contra Jair Bolsonaro (PL). Falou assim, sem citar que isso significa votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Elena conta que não foi uma decisão política difícil, pois já vinha defendendo o impeachment do presidente. “Aquela famosa reunião, gravada em 2020, é o suficiente. Falavam em milícia armada, em punição a prefeitos por causa de isolamento social, em passar a boiada na área ambiental. Mas as pessoas esquecem.”
Agora, afirma ela, estão esquecendo que Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, devem explicações sobre a política fiscal.
“Todo mundo -mercado, jornalista, empresário- cobrou do Lula, da Simone, do Ciro Gomes, da Soraya Thronicke qual vai ser a âncora fiscal, como fica a política fiscal, como fazer o ajuste fiscal. Mas ninguém cobra isso de Guedes e do Bolsonaro -que destruíram o teto.”
No entanto, Elena admite que pessoalmente fica mexida em ter votar no PT. “Sofri muito na mão da militância petista. Fui indevidamente atacada durante o processo de privatização.”
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PERGUNTA – A sra. sempre se apresentou como uma economista liberal. No passado, ser liberal era ter preocupação com as contas públicas. Mas, na campanha, suas prioridades, e a de outros liberais, foram as agendas social e ambiental. Por que essa mudança?
ELENA LANDAU – É fato que não existe liberalismo sem uma agenda de mercado, mas o liberal não se preocupa apenas com a economia, defende também democracia e inclusão social.
Tanto é assim que, lá atrás, com FHC, tínhamos privatizações, ajuste fiscal e reforma do Estado, mas também tínhamos investimento em educação, tínhamos política social, com vale-gás e outras iniciativas.
É por isso que não dá para chamar de liberal um governo que defende a tortura. Quando Bolsonaro se coloca como um defensor de um Carlos Brilhante Ustra, a palavra liberal não lhe cabe.
A gente não mudou. A percepção da sociedade é que mudou diante do que chamo de liberalismo sem alma da gestão de Paulo Guedes.
P. – A sra. e Guedes tiveram uma discordância pública, em que ele diz tê-la reprovado, quando foi seu professor, o que a sra. nega, por ter concluído o mestrado. De onde vem essa desavença de vocês?
EL – Ele mentiu [sobre ter me reprovado]. Desde que ele foi meu professor no mestrado da PUC, em 1980, faltou na maioria das aulas. Foi péssimo professor. Eu coordenei um movimento para afastá-lo do curso de matemática.
P. – E qual o seu balanço da agenda liberal de Guedes no governo?
EL – É muito ruim. Pelo lado da agenda social, não existe oportunidade de aumento da produtividade e de crescimento econômico sem uma agenda para a educação. O Guedes nem olhou para isso.
A gente esperava um aperfeiçoamento do Bolsa Família, mas o que ele fez [com o Auxílio Brasil] durante a campanha foi uma proposta eleitoreira, que desmanchou o programa social. Não tem focalização, ninguém sabe se as crianças foram vacinadas, se frequentam a escola, nem quantos filhos a família tem, qual o uso desse dinheiro.
Agora, vamos para a agenda econômica pura. Não tivemos inclusão nas cadeias globais de produção, abertura comercial ou redução do protecionismo. Se quisessem uma integração internacional, não iam conseguir, por causa da questão ambiental. O pouco que se conseguiu fazer dentro do Mercosul foi uma redução mínima na tarifa externa comum.
Renovaram a desoneração industrial de forma discricionária, algo nada liberal. A reforma tributária até ficou pronta, mas o Guedes atrapalhou com a questão da CPMF. O país estava maduro para discutir uma reforma do IR [Imposto de Renda] que melhorasse a progressividade, mas não veio também.
A privatização foi um fiasco. Só fizeram a da Eletrobras, e muito malfeita. Ela foi entregue para o Congresso. O resultado destruiu o planejamento no setor elétrico. O Salim Mattar saiu da Secretaria de Desestatização, criada por Guedes, sem entregar nada.
Ok, tivemos alguns marcos de regulação, como o de ferrovias, e uma lei de liberdade econômica com algumas coisas boas, porém muito fraca. O marco de saneamento veio porque estava bem avançado nas mãos de Tasso [Jereissati, senador que foi relator do texto], e a reforma da Previdência saiu por causa do Rodrigo Maia [na época da votação, presidente da Câmara].
P. – Então eu pergunto: que agenda liberal foi essa?
EL – Para completar, de um ano e meio para cá, veio uma agenda populista. Se um marciano chega ao Brasil agora, não vai saber se a gestão está com Dilma ou Bolsonaro, com Guido Mantega ou Paulo Guedes.
Dentro disso tudo, a melhor agenda foi a do BNDES. Atua como banco de serviços, de investimentos, sem subsídios.
P. – Mas e os resultados fiscais? Os economistas apontam melhora, e o próprio Guedes fala de como arrumou a casa.
EL – Foi tudo temporário. Você vai segurar aumento de servidor para sempre? Você pode comemorar que teve melhoria das contas públicas à custa do aumento da inflação, que pega principalmente a população de baixa renda? Vai comemorar a transferência de renda que estamos vendo? Vai continuar baixando preço do combustível na marra? Nós que vivemos o imposto inflacionário nos anos 1980 ainda lembramos como era bom [a inflação para as contas públicas]. Mas é gol de mão. Nada disso é sustentável.
P. – E como fica a herança do Guedes para o ano que vem? De onde vai sair o aumento do Auxílio Brasil que eles inventaram?
EL – A lei orçamentária é escandalosa. Todo mundo sabe que esse Orçamento não para de pé e vai ser revisto. Tem um rombo dentro da promessa de campanha do próprio Bolsonaro.
Essa é uma coisa interessante. Todo mundo -mercado, jornalista, empresário- cobra do Lula, da Simone, do Ciro Gomes, da Soraya Thronicke qual vai ser a âncora fiscal, como fica a política fiscal, como fazer o ajuste fiscal, mas ninguém cobra isso de Guedes e do Bolsonaro -e foram eles que destruíram o teto.
Vamos lá. Não foi a esquerda nem o centro democrático que destruíram o teto, foi a direita. Quem está deixando a herança de déficit primário para o ano que vem não é a esquerda, é a direita. É o Paulo Guedes, é o Bolsonaro.
Quero ver é o que o Guedes vai fazer para resolver esse fiscal se Bolsonaro -que Deus nos livre- ganhar a eleição. Mas ninguém cobra isso do Bolsonaro. Ele é candidato, precisa se explicar.
P. – Sua primeira reação após Tebet apoiar Lula foi dizer que votaria contra Bolsonaro. Só depois abriu o voto em Lula. Por que é tão difícil votar no PT?
EL – Eu fui petista. Usei a estrelinha vermelha do PT como alfinete de fralda do meu filho. Eu tinha pôster do Lula no meu quarto no início dos anos 1980. Comecei a me afastar do PT quando vi a falta de conciliação entre política fiscal e seus objetivos. Quando conheci o Mario Covas, veio uma luz sobre como eu queria fazer as coisas. Tem que ter política fiscal responsável para manter uma agenda social. Para mim, é isso.
A minha dificuldade é de cunho absolutamente personalista. Sofri muito na mão da militância petista. Fui indevidamente atacada durante o processo de privatização. Mas, para abrir meu voto, eu também tive de esperar as negociações da Simone.
Agora, o que me preocupa de verdade é o país dar um segundo mandado para um presidente que deveria ter sofrido impeachment desde 2020. Eu defendo isso desde lá.
P. – Por quê?
EL – Bolsonaro cometeu inúmeros crimes de responsabilidade. O que foi a gestão dele na pandemia? Aquela famosa reunião, gravada em 2020, é o suficiente. Basta prestar atenção no que foi dito ali. Falavam em milícia armada, em punição a prefeitos por causa de isolamento social, em passar a boiada na área ambiental. Mas as pessoas esquecem. A eleição de Eduardo Pazuello [ex-ministro da Saúde, questionado pela lentidão na compra de vacinas] está aí para mostrar isso.
P. – A sra. foi coordenadora econômica de uma campanha presidencial de uma candidata, que também teve uma vice mulher. Uma chapa puro-sangue. Como lhe pareceu o ambiente da política para as mulheres na campanha?
EL – Essa pergunta é muito difícil para mim. Participo da política, através do Tasso, desde 1991, de uma forma indireta. Eu já era minoria entre homens. A minha experiência pessoal é muito diferente da experiência que a Simone relata.
O que vi na campanha foi uma pressão absurda para ela desistir da candidatura. Não sei se um homem teria tanta determinação para avançar como ela fez.
P. – O engraçado é que eu não tinha encontrado pessoalmente com a Simone até então. Tinha a visto três outras vezes. O nome dela sempre era levantado como vice. Nessas duas, eu lembro que disse: “Se gostam tanto dela, por que não pode ser cabeça de chapa?”.
EL – Quando ela me convidou, foi direta. Mandou uma mensagem de WhatsApp perguntando se eu podia falar, e já ligou: “Eu quero uma porta-voz feminina na minha campanha, feito a sua, liberal, com olhar social, que tenha capacidade de comunicar o que é a economia”. Tinha esse combo.
P. – Teve aquele momento em que, durante o lançamento do nome da vice, a Mara Gabrilli, foi um festival de frases machistas dita por seus antigos colegas de PSDB. Aquilo a incomodou?
EL – Aí você precisa descontar. Alguns falam besteiras sobre mulheres desde sempre. Mas o Tasso e eu temos uma relação de confiança na política há 31 anos. Tem proximidade e brincadeira. Quando ele fala que eu sou rebelde, na cabeça dele, é um elogio, porque estou sempre inquieta, levantando o debate. O que ficou ruim foi ele dizer depois “que a gente dá um jeito”, porque ele sabe que não tem isso de me controlar.
É óbvio que pesa o fato de a gente ser de outra geração, e ter levado como piadinha certos comentários que hoje são inaceitáveis. O que eu achava engraçado lá atrás, que entrava por um ouvido e saía pelo outro, a geração atual não permite.
Posso dizer que tive um aprendizado em relação a isso. Se você me perguntasse há dez anos se eu sofria alguma discriminação, eu diria peremptoriamente que nenhuma. Eu não comemorava o Dia Internacional da Mulher. Não queria ser destaque por ser mulher. Achava que a gente tinha apenas que ser tratada igual aos homens.
Mas depois, com o tempo passando, eu fui percebendo que certas diferenças de tratamento não faziam sentido como supunha.
Uma vez, depois de uma longa reunião, foi todo mundo jantar. Era só eu de mulher. Na hora de anotar as bebidas, iam pedindo uísque, e o garçom me pulou. Reclamei: “E eu?”Todo mundo me olhou com cara de espanto. Ficou claro que não entendiam como eu tinha coragem de beber uísque no meio de dez homens. Um político, não vou dizer o nome, ainda perguntou: “Mas você bebe uísque?”.
Hoje entendo que a minha trajetória tem um significado, e quem consegue furar a bolha precisa se manifestar. Precisamos discutir, sim, paridade de gênero, inclusão, as diferenças salariais e educacionais. Minha cabeça mudou muito.
Hoje, eu diria que sou feminista -uso essa palavra que não sairia da minha boca no passado.