Por Reinaldo José Lopes, da Folhapress
SÃO CARLOS – Um novo mapa das reservas naturais da Amazônia brasileira que são mais importantes para a preservação das onças-pintadas (Panthera onca) revelou uma situação ironicamente perigosa para a espécie. Ocorre que os locais com a maior densidade populacional dos grandes felinos também estão entre os que sofrem maior pressão de ameaças como o desmatamento, os incêndios florestais e o avanço da pecuária.
As conclusões estão num artigo recém-publicado no periódico especializado Communications Biology. O objetivo do trabalho, assinado por pesquisadores da USP, da organização ambientalista WWF e da Universidade de East Anglia (Reino Unido), é identificar as áreas prioritárias para a conservação da espécie, que já perdeu cerca de metade de seu território original nas Américas.
“Infelizmente, as melhores estimativas de densidade [populacional das onças] coincidem com as áreas que estão sob forte pressão da expansão da fronteira agrícola na Amazônia, cujos avanços foram intencionalmente fomentados nos últimos anos”, resume Juliano Bogoni, pesquisador de pós-doutorado da USP de Piracicaba e primeiro autor do estudo.
No trabalho, a equipe tomou como ponto de partida um estudo anterior que havia estimado a presença de indivíduos da espécie com base em dados de armadilhas fotográficas (ou seja, quando o sensor infravermelho de câmeras posicionadas na mata dispara com a presença dos animais). Também calibraram essas estimativas com dados sobre a presença das onças-pintadas obtidos localmente, em trabalhos de campo.
Essas informações foram cruzadas com a presença de áreas protegidas na Amazônia brasileira. Os pesquisadores classificaram essas áreas em dois grandes tipos: as de proteção integral – dedicadas exclusivamente à preservação da biodiversidade – e as de uso sustentável, nas quais atividades econômicas consideradas de baixo impacto são permitidas.
Também levaram em conta as terras indígenas, cuja demarcação normalmente diminui muito a perda de florestas e biodiversidade nas áreas que englobam.
“Fomos bastante conservadores nas estimativas”, conta Marcelo Oliveira, coautor do estudo e líder do programa de proteção de espécies ameaçadas do WWF-Brasil. “Propomos uma densidade média de 2,06 onças [a cada 100 quilômetros quadrados] na Amazônia, mas sabemos que isso pode variar bastante. Na região de Mamirauá, por exemplo, é possível haver dez onças na mesma área”.
Parece pouco – um total de menos de 30 mil felinos para a região como um todo –, mas é o que faz sentido levando em conta a necessidade de presas e território de um carnívoro desse porte.
Usando também um índice que mede o nível de ameaça a essas áreas protegidas, os pesquisadores identificaram uma lista de dez reservas (entre centenas existentes na região) que abrigam 13,2% da população de onças-pintadas remanescentes. Essas mesmas áreas, porém, são as que são afetadas por 20% do desmatamento e dos incêndios florestais das reservas da Amazônia, além de 23% da presença de pastagens, todos fatores que são uma péssima notícia para os grandes felinos.
Segundo Bogoni, a coincidência entre grande população de onças e muitas ameaças se explica pelo fato de que as condições ambientais que favorecem a presença dos carnívoros também tornam essas regiões locais cobiçadas pela atividade humana.
“As áreas com maior densidade de onças-pintadas coincidem com a maior presença de ameaças porque também são as áreas que têm maiores estimativas de produtividade [disponibilidade de nutrientes] e outros fatores ambientais”, diz ele.
A tendência é que, se as ameaças não forem mitigadas, essas regiões passem a perder sua atual população pujante de felinos.
Outro dado importante é a coincidência entre essas áreas cruciais para a conservação e as terras indígenas – das dez listadas, oito são território de etnias amazônicas, como o Parque Indígena do Xingu e as terras dos yanomamis.
“É preocupante porque a gente não sabe o que aconteceu por lá nos últimos anos. Com a presença maciça dos garimpeiros no território yanomami, por exemplo, as presas das onças devem ter sido muito mais caçadas, o que afetaria a população delas”, diz Marcelo Oliveira.
As áreas identificadas também tendem a se localizar no chamado arco do desmatamento, a área mais pressionada do território amazônico até hoje, em geral nas “bordas” da floresta com a vegetação mais aberta. E também em regiões de fronteira, perto do território amazônico peruano e boliviano, por exemplo.