Da Redação, com informações do MP-AM
MANAUS – Desde o massacre ocorrido no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), na madrugada do dia 1º de janeiro de 2017, o MP-AM (Ministério Público do Amazonas) já ajuizou 22 ações voltadas para soluções de problemas constatados nas unidades prisionais do Estado e do sistema prisional estadual do Amazonas.
Para cuidar das ações, o MP-AM também dobrou a quantidade de Promotores de Justiça que atuam na área das execuções penais. Pouco mais de dois anos depois, algumas ações se transformaram em TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), outras continuam em trâmite e apenas uma transitou em julgado.
O ajuizamento de ações começou em 1º de Junho de 2017, pelo GECSP (Grupo de Enfrentamento da Crise do Sistema Prisional), formado por um procurador de Justiça de sete promotores e criado logo após o massacre no Compaj.
O MP-AM ajuizou uma Ação Civil Pública (Processo 0619418-88.2017.8.04.0001) visando coibir a recorrência dos episódios registrados na virada do ano. Na ocasião, o GECSP atacou o modelo de gestão prisional terceirizado que o governo do Amazonas adotou desde 2003, apontando como causa do atual estado de calamidade do sistema prisional o descumprimento continuado e sistemático das leis em vigor, advindo de ações e omissões ilícitas cometidas pelo Estado.
Conforme registro na ACP, além do alto custo, a cessão da gestão do sistema prisional é inconstitucional e ilegal, pois paga-se por serviços cuja execução por particulares é proibida pela Constituição e normas infraconstitucionais. E, ainda, os serviços passíveis de execução por particulares são prestados de forma ineficiente e violando cláusulas contratuais.
O MP-AM queria proibir a licitação pública e a celebração de novos contratos administrativos, que envolvessem a cessão ilegal do poder de polícia nas unidades prisionais, mediante a contratação de particulares para exercer as mesmas funções dos agentes penitenciários, como a segurança interna das unidades prisionais, escolta dos presos, revista, vigilância, entre outras.
A ação civil também visava proibir a celebração de novos contratos administrativos, que envolvessem a cessão de atividades não acessórias ao sistema prisional, nos termos do disposto no art. 83-A da Lei n. 7.210/84.
Por fim, o MP-AM pedia a realização de concurso público e o aumento do quadro de pessoal da secretaria de Estado responsável pela administração e fiscalização do sistema penitenciário; a instituição do Batalhão de Guarda ou de Polícia Penitenciária, nas Unidades Prisionais; e o aparelhamento da Defensoria Pública, que garanta sua atuação satisfatória no sistema prisional do Estado.
Julgamento após 2 anos
O julgamento da Ação Civil ajuizada em janeiro de 2017 só ocorreu dias antes do novo massacre nos presídios, que resultou em mais 55 mortos. No último dia 21 de meio deste ano, o Juiz Ronnie Frank Torres Stone atendeu parcialmente o pedido do MP-AM e determinou que Estado do Amazonas apresentasse cronograma de implementação de ações que ensejariam o atendimento dos pedidos do órgão ministerial, ou informasse a falta de interesse em conciliar.
O prazo acordado em reunião do dia 11 de março de 2019 era 9 de abril e expirou sem que a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) se manifestasse.
Ações de suporte
Em suporte à primeira ação, seis ACPs (Ações Civis Públicas) se referem especificamente aos contratos firmados pelo Governo do Amazonas para cessão dos serviços de gestão das unidades prisionais do Compaj, CDPF (Centro de Detenção Provisória Feminino), CDPM (Centro de Detenção Provisória Masculino), Ipat (Instituto Penal Antônio Trindade), PFM (Penitenciária Feminina de Manaus) e UPP (Unidade Prisional do Puraquequara).
Na ACP que gerou o processo nº 0616594-59.2017.8.04.0001, o MP-AM pediu a anulação do Contrato nº 018/2014-SEJUS-COMPAJ, firmado pelo Estado do Amazonas com a Umanizzare, “decorrente da cessão ilícita do Poder de Polícia, que é atribuição indelegável da Administração Pública”, e aplicação de multa “pela patente inexecução das cláusulas contratuais”.
Em 21 de janeiro deste ano, a Justiça estadual atendeu parcialmente o pedido de liminar, mas a Umanizzare ingressou com Agravo de Instrumento junto ao TJAM, ao qual foi negado efeito suspensivo. Diante disso, o MP-AM requereu o imediato cumprimento da decisão para que a Umanizzare realize o depósito da garantia em conta judicial.
Em outra ACP (Processo nº 0616599-81.2017.8.04.0001), que trata do contrato de gestão do Ipat , foi concedida liminar, no dia 23 de maio de deste ano, proibindo que o Estado renove os contratos com a Umanizzare em quaisquer unidades prisionais do Amazonas.
Os contratos de gestão das demais unidades prisionais foram tratados em outras ACPs: do CDPF, Processo nº 0616602-36.2017.8.04.0001, que está concluída para despacho desde 9 de abril deste ano; do CPDM, Processo nº 0616607-58.2017.8.04.0001, com prazo para apresentação de laudo pericial terminando em 9 de junho de 2019; do PFM, Processo nº 0616609-28.2017.8.04.0001, com manifestação do Estado em 9 de julho de 2018 pelo indeferimento da tutela de urgência; da UPP, Processo nº 0616805-95.2017.8.04.0001, com manifestação do Estado em 22 de maio de 2018 pelo indeferimento da tutela de urgência.
Sete ACPs se tornaram TACs
Outras setes ACPs foram arquivadas porque os seus objetos se tornaram TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) assinados entre o Poder Público e o Ministério Público do Amazonas.
Os TACs assinados tratavam, por exemplo, do atendimento aos detentos nas áreas de alimentação, transporte, manutenção predial, segurança e lotação, assistência médica, odontológica, jurídica, psicológica, social e material.
Nesses termos, em regra, as empresas se comprometem a melhorar a prestação do serviço e o fornecimento de insumos, enquanto o Estado deve oferecer a estrutura adequada para a prestação e agentes públicos para serviços que não podem ser realizados por terceiros.
O Primeiro TAC, celebrado entre o MP-AM, o Governo do Estado, a empresa Umanizzare e a empresa RH Multi Serviços Administrativos Ltda., tratou do transporte de presos para audiências judiciais e consultas médicas. As partes se comprometeram a cumprir suas obrigações para a prestação serviço, cabendo às empresas o fornecimento de algemas, combustível e manutenção dos veículos e ao Estado o de veículos e mão de obra. O TAC foi homologado no dia 5 de maio de 2018.
No mesmo ano, em novembro, foi firmado compromisso entre as mesmas partes para garantir a assistência jurídica e psicológica aos internos. As empresas estavam cumprindo suas obrigações, de contratar e manter profissionais, selecionar presos e organizar o atendimento. O Estado, por sua, vez, se comprometeu a disponibilizar um espaço adequado para os atendimentos.
Em dezembro de 2018, as empresas concessionárias se comprometeram a dar adequada manutenção às instalações físicas, elétricas, telefônica, sanitárias, de esgoto, elétricas, de dados, entre outras.
As questões de segurança e lotação, que engloba todo o dia a dia dos internos, foi tratado em TAC homologado também em dezembro de 2018.
Às empresas cabe desde o fornecimento de algemas, cães adestrados, revistas e manutenção de sistema vigilância de câmeras.
A responsabilidade do Estado é a manter número adequado de policiais militares para segurança ostensiva do perímetro externo, munidos de equipamentos e materiais mínimos de segurança externa, como rádios, armas e munições não-letais, bem como armamento individual letal. No TAC, o Estado se comprometeu a regularizar o número de policiais militares disponibilizados.
Na área de assistência social e material, as empresas disseram cumprir todas as obrigações contratuais, como a contratação de assistentes sociais, o levantamento de diagnóstico social dos internos, o fornecimento de enxovais e materiais de higiene corporal e corte de cabelo.
Ao Estado caberia providenciar sala para atendimento, garantir o uso adequado dos colchões fornecidos e estabelecer cronograma para a distribuição dos enxovais.
O TAC foi homologado em dezembro de 2018.
Uma das mais frequentes reivindicações dos presos, a alimentação, foi objeto de um TAC homologado em 25 de fevereiro de 2019. O governo do Estado se comprometeu a providenciar alvará sanitário junto à Dvisa das instalações de cozinha e a realizar obras de adequação nas áreas de armazenagem, manipulação de distribuição de alimentos aos presidiários.
As empreses se declararam em dia com todas as responsabilidades quanto ao transporte, armazenagem, manipulação, bem como quanto à qualidade sanitária e nutricional e distribuição de alimentos aos internos.
Atendimento médico-odontológico
O único TAC firmado entre o MPAM, as empresas e o Estado ainda não homologado pelo Judiciário é o que trata da assistência médica e odontológica aos presos.
O Governo do Estado deverá instalar na Unidade Prisional do Puraquequara uma sala de estabilização para atendimentos que requeriam transferência para outras unidades.
No Compaj, deverá ser providenciado mais um consultório odontológico. O pedido de homologação foi feito em 31 de outubro de 2018.
Inspeção semanal
Entre os meses de fevereiro e maio deste ano, o MP-AM realizou 11 inspeções nas unidades Compaj, Ipat, CDPM I, CDPM III e CDPF.
O relatório das inspeções mostra precariedade na estrutura, no fornecimento de alimentos, além da falta de medicamentos nos presídios do Amazonas. Todas as inspeções apontaram algum tipo de precariedade.
Segundo a promotora de Justiça Christianne Corrêa, titular da 24ª Promotoria de Justiça com atuação junto à Vara de Execuções Penais, as inspeções são semanais, mas, devido ao tamanho das unidades e à complexidade operacional da visita, o que afeta toda a rotina de todos os setores das casas prisionais, nem todas as instalações de carceragem são inspecionadas a cada vistoria, embora algumas áreas, como cozinha e área de monitoramento, são vistoriadas em todas as visitas.
Em três vistorias feitas ao Compaj no Procedimento Administrativo nº 078.2019.000004, nos dias 25 de março, 26 de abril e 27 de maio, foram encontradas uma série de irregularidades na prestação dos serviços.
Os problemas encontrados
Na inspeção de 25 de março, constatou-se o funcionamento de um ar-condicionado no refeitório, porém, como as janelas são grades vazadas, não há refrigeração e, uma vez que o exaustor está quebrado, também não há ventilação no local.
No galpão onde ficam as alas, e em todo complexo, o chão fica molhado por conta de infiltrações e muitas goteiras.
Na portaria 02, por onde passam cerca de 220 pessoas nos dias de visita, existe um equipamento de Raios-X para revista funcionando, mas a segunda máquina não funciona desde fevereiro desse ano.
Na inspeção do dia 26 de abril, verificou-se que 20 internos estavam com tuberculose, sendo dois em fase de transmissão, por conta disso em isolamento, e três internos com bolsas de colostomia. Verificou-se superlotação nas celas, mas poucos sinais de infiltrações.
Na visita do dia 27 de maio, foram constatados sinais de reuso em roupas de cama e tolhas e a falta de um outro uniforme do tipo camisa.
A cada irregularidade encontrada, o MP-AM aciona o diretor da unidade para que notifique a empresa e, não havendo justificativa razoável, aplica-se multa contratual.
De acordo com a Promotora de Justiça, a Umanizzare contesta na Justiça um significativo número de multas.
Mudanças profundas
Para a procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Nascimento Albuquerque, os acontecimentos nas unidades prisionais da capital nos últimos dias mostram a fragilidade do sistema prisional atual.
“Nós estamos falando de um sistema que precisa ser rediscutido, reanalisado, remodelado, porque hoje o sistema se apresenta lamentavelmente falido. E eu não estou falando apenas do sistema prisional do Estado do Amazonas, estou falando do sistema prisional de um modo geral, do sistema brasileiro. Porque temos registros recorrentes de rebeliões, massacres, em outros Estados. A gente precisa trabalhar os aspectos pontuais para que o sistema passe por um processo de estabilização. Enquanto não enfrentarmos com vontade política e com compromisso, principalmente com a sociedade que está aqui, nós vamos estar brincando de fazer política do sistema prisional”, afirma Leda Albuquerque.
Quem é quem
O GECSP (Grupo de Enfrentamento da Crise do Sistema Prisional), criado em 4 de Janeiro de 2017, foi composto pelo procurador de Justiça José Roque Nunes Marques, que o presidiu, e pelos promotores de Justiça Jorge Alberto Gomes Damasceno, Álvaro Granja Pereira de Souza, Cley Barbosa Martins, João Gaspar Rodrigues, Christianne Corrêa Bento da Silva, Neyde Regina Demósthenes Trindade e Alessandro Samartin de Gouveia.
Mudanças de regras
Em nota, a Seap alega que o cumprimento de Termos de Ajustamento de Conduta forçaria à mudanças nos contratos. Confira na íntegra.
Quando a atual gestão assumiu a Seap, em janeiro de 2019, deparou-se com seis Termos de Ajustes de Conduta firmados em conjunto com o Ministério Público do Estado. O cumprimento de todas as exigências ensejaria a mudança do objeto desses contratos, cujos prazos de vigência já estavam expirados ou por expirar, sem possibilidade legal de prorrogação.
A Seap iniciou então o planejamento para a contratação de novas empresas de cogestão das unidades prisionais do Estado. O planejamento inicial e imediato era lançar a licitação com projeto básico totalmente adequado a todas as TAC’s para que todas as empresas pudessem participar.
As exigências dos Termos de Ajuste de Condutas e a proposta das Ações Civis Públicas são coesas e com fundamento, porém vão da construção de canil até adequações existentes em resoluções da Anvisa que, juridicamente, são objetos que não podem se misturar em uma licitação comum.
Assim, diante de um passado de contratações mal planejadas, para ajustar todas as TAC e ACP, decidiu-se em caráter emergencial pela contratação de uma instituição externa. A Fundação Getúlio Vargas apresentou menor preço, com o compromisso de elaborar uma nova Modelagem de Gestão para o Sistema Penitenciário do Estado do Amazonas.
A licitação mencionada condiciona a confecção do projeto básico totalmente adequado a todas as exigências dos órgãos de controle do Estado do Amazonas. Adequar o projeto básico ao estabelecido nos TAC’S, ACP e Resoluções da ANVISA é um processo demorado e exige um nível de conhecimento técnico elevado, fato que motivou a contratação de uma instituição externa. No caso, a Fundação Getúlio Vargas se mostrou capaz de atender a todas as exigências.
É importante esclarecer que a SEAP está fazendo todos os esforços para adequar os Projetos Básicos às exigências dos órgãos de controle, ainda que os custos sejam altos.
Quadro geral de ações civis públicas sobre o sistema prisional do Amazonas
ACP nº 0619418-88.2017 – 3ª Vara de Fazenda Pública – Ação Escudo
ACP nº 0616609-28.2017 – VEP – Contrato PFM
ACP nº 0616805-95.2017 – VEP – Contrato UPP
ACP nº 0616599-81.2017 – 2ª Vara de Fazenda Pública – Contrato Ipat
ACP nº 0616607-58.2017 – 3ª Vara de Fazenda Pública – Contrato CDPM
ACP nº 0616594-59.2017 – 5ª Vara de Fazenda Pública – Contrato Compaj
ACP nº 0616602-36.2017 – 4ª Vara de Fazenda Pública – Contrato CDPF
ACP nº 0614629-46.2017 – 1ª Vara de Fazenda Pública – Consórcio PAMAS
ACP nº 0614539-38.2017 – TAC segurança e lotação
ACP nº 0614543-75.2017 – TAC manutenção predial
ACP nº 0614554-07.2017 – TAC assistência social e material
ACP nº 0614548-97.2017 – TAC não homologado médico e odontológico
ACP nº 0614534-16.2017 – TAC assistência jurídica e psicológica
ACP nº 0614521-17.2017 – TAC alimentação
ACP nº 0605083-64.2017 – TAC transpor audiências
ACP nº 0617359-93.2018 – VEP- relação de apenados prisão domiciliar e semiaberto
ACP nº 0617364-18.2018 – VEP – correção de cadastro do reeducando incompleto
ACP nº 0203049-84.2017-VEP – remoção de internos do Compaj Semiaberto para varreduras, reforma e fortificação das estruturas de segurança.
ACP nº 0636606-60 – acesso a dados em celulares apreendidos
ACP nº 0634922-03.2018 – VEP – Instalação de unidade prisional semiaberto
ACP nº 0200555-81.2019 – VEP – deserção dos aparelhos celulares apreendidos
ACP nº 0622426-05.2019.8 – VEP – recurso contra interdição de PFM e uso da unidade como CDPM