Violência criminógena dos cárceres
Aspecto essencial para entender a violência nos presídios é a cultura do ócio criminógeno.
Ao ingressarem nos cárceres, ao invés de serem inseridos em programas de formação humana e ressignificação de valores, imprescindíveis à ressocialização, os internos são superexpostos à prática da ociosidade e da violência criminógena, que operam como fator de criminalidade nos presídios.
Uma vez nos cárceres, é raro quem efetivamente se importe com o andamento do processo de desumanização e embrutecimento dos internos a partir da violência criminógena dos presídios, cujo veículo principal é o próprio ócio instrumentalizado em favor do crime.
Não se promove com regularidade a oferta de educação e de trabalho nos estabelecimentos de execução penal no Brasil. Uma grave omissão estatal para com a administração do sistema penitenciário. Mesmo quando eventualmente ofertadas essas oportunidades, os internos podem recursarem-se ao estudo e ao trabalho sem que isso seja computado para exame do comportamento e do desempenho social, diferente do que ocorre na convivência cotidiana em sociedade. Na rotina de vida social, quem não estuda nem trabalha é reprovado e, de certo modo, “deserdado” socialmente. Uma espécie de sanção moral e social, pois não há penalidade formal ou jurídica para essa conduta.
Considerando a situação de expansão do desemprego e das dificuldades de recolocação no mercado de trabalho, é para essa realidade que os presidiários deveriam ser alertados, formados e ressocializados, haja vista que para se reinserirem no convívio social terão de lidar com esse contexto relativo ao trabalho e ao estudo para alcançar a difícil inclusão na sociedade de consumo.
Entretanto, ao adentrarem no cárcere, ao invés de romperem com a cultura do ócio e da violência criminógena, os internos do sistema prisional são atirados à própria sorte diante de grupos preexistentes no interior dos mesmos, sobretudo de facções prisionais que atualmente operam como braços ou representantes de organizações criminosas no interior das unidades prisionais. Qualquer novo interno se torna presa fácil desse sistema de recrutamento compulsório nos cárceres brasileiros. Dessa maneira, reforça-se a cultura do ócio e da violência criminógena nos presídios.
A legislação brasileira e as administrações penitenciárias pelo país precisam rever essa situação. Ao mesmo tempo em que terá resgatar o controle do território dos presídios, ofertar oportunidades de formação e trabalho, é necessário reexaminar o direito absoluto do preso de recusar-se ao estudo e ao trabalho no interior dos cárceres, como se nenhum dever quanto a isso lhe correspondesse. A todo direito correlaciona-se um dever, que o justifica e legitima. A lei de execução penal (LEP) brasileira é em grande medida avançada, porém tem limites ao desobrigar de modo absoluto o preso de certos papéis sociais básicos, tal como o de estudante e o de trabalhador, quando estes são imprescindíveis para sua própria reinserção social.
Desde que ofertada pela administração prisional a oportunidade da formação, qualificação profissional e posto de trabalho no cárcere, a recusa injustificada do preso para estudar e trabalhar, estando ele apto a ambos ou a um dos dois, não deve ser visto como algo que não afete a avaliação de sua conduta e de seu comportamento.
Se considerarmos que o propósito da prisão em estabelecimentos prisionais é, além do cumprimento da pena, também o da ressocialização, faz-se necessário preparar o presidiário para conviver na sociedade para a qual retornará, internalizando a dinâmica de usufruto de direitos em coerência com o cumprimento de deveres.
A LEP (Lei de Execução Penal), em seu artigo 6º, prevê que uma comissão técnica elaborará um programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório, contudo, isto simplesmente é ignorado e nada se faz a respeito.
O presídio, que deveria ser um espaço de ocupação integral do interno, especialmente com programas de formação e de trabalho, torna-se um centro de ociosidade que opera em favor da violência e da economia do crime. Desse modo, termina por deformar ainda mais o preso ao invés de contribuir para que ele cumpra sua pena e se ressocialize para viver numa sociedade predominantemente de consumo, cujas vias lícitas de acesso se dão por meio do estudo e o trabalho.
O sistema prisional brasileiro precisa considerar a dinâmica da vida social para qual o interno dos presídios está sendo preparado para ser reinserido e, a partir disso, elaborar programas de formação, capacitação profissional e disponibilizar oportunidades de trabalho e desenvolvimento técnico numa carreira que integre as atividades da economia lícita. É essencial considerar essa perspectiva para efetivamente trabalhar a ressocialização nos cárceres.
A educação e o trabalho no interior do cárcere necessitam ser adequados à realidade dos presos. Não basta simplesmente providenciar a oportunidade de uma educação pública formal, que já não funciona fora dos estabelecimentos penais, e transportá-la sem adaptações para dentro dos cárceres. Da mesma forma, o trabalho ofertado ao interno dos estabelecimentos penais deve ser adequado e compatível com os objetivos de ressocialização do mesmo. Sem esses cuidados elementares acaba sendo inútil, perda de tempo e de dinheiro, oferecer educação e trabalho nos cárceres brasileiros.
A questão subjetiva do interno do sistema prisional é também muito relevante, essencial ser introduzida, sendo imprescindível que se desenvolva um trabalho psicológico e de neurolinguística em favor da saúde mental dos presidiários: “Tudo está na mente. É onde tudo começa. Saber o que se quer é o primeiro passo…” – Mae West. A avaliação da qualidade da saúde mental nos presídios é fator básico em favor de segurança e organização dos mesmos.
Sem trabalhar esses aspectos, a educação formal, quando disponibilizada nos estabelecimentos prisionais, tende a não surtir efeito algum. Pelo contrário, pode até mesmo produzir maior frustração, doenças mentais, traumas e insatisfações entre os encarcerados. Aliás, esses são parte dos motivos que levam os internos dos presídios, em sua grande maioria, a recusarem-se ao estudo nas unidades carcerárias e a optar pela cultura do ócio e da violência criminógena.
Cumpre considerar ainda que os internos do sistema prisional, seja qual for a dívida penal, tendo sido condenados ou não (presos provisórios), trazem ao chegar ao presídio uma gama de experiências, certos padrões de pensar e de agir, certas coisas que foram se consolidando no tempo, sobretudo por conta da atuação em atividades criminosas. Por conta disso, os presidiários estão imbuídos de um conjunto de contravalores e crenças internalizados no cotidiano da práxis criminosa.
Tais elementos necessitam ser revistos e resignificados para que se possam dar passos com vistas à ressocialização. Enfim, é essencial a adoção de medidas, programas e ações voltadas para remover imediatamente os detentos da cultura do ócio e da violência criminógena, oportunizando-lhes novas experiências no sentido de inicia-los e conduzi-los a um processo de formação e preparação voltados à convivência social numa cultura de licitude, de cidadania e de dignidade humana. Condições para uma sociedade segura e livre.
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